Disse Deus: haja luz. E houve luz. Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas (Gênesis, 3-4).
Assim surgiu a relação entre claro e escuro e, com a intervenção do homem, serviu à realização das mais belas obras de arte. Iluminar não é brigar com as sombras, e muito menos eliminá-las, mas é construí-las de modo a revelar o corpo iluminado em suas características, podendo, inclusive, realçá-las como fizeram os pintores italianos do Renascimento e do pós-renascimento, ao criarem o mais perfeito inventário de iluminação. Vide as obras de Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rafael e, bem mais adiante, Caravaggio. Iluminar cenas de estúdio para fotografia, cinema e televisão é uma arte filha da pintura.
A sombra é a irmã mais fiel da imagem e permaneceu sua seguidora, tornou-se reveladora durante todo o trajeto percorrido pelo homem na tentativa de registrar a imagem de objetos, pessoas, coisas e paisagens, criando um verdadeiro repertório de significados. É tão fiel e genuína que resistiu à colorificação de todos os processos criados pelo tecnicamente para registrar e fixar imagens. E ela, a sombra, permaneceu preto e branco.
O desenho primitivo é em preto e branco. Depois, ganha cor para se tornar pintura. O clichê que deu origem ao daguerreótipo nasce preto e branco, para depois surgir a fotografia colorida; o cinema vem belo em preto e branco. Com esforço e muita pesquisa, Eastmann e Agfa apresentaram o filme colorido. Até a novíssima TV surge em preto e branco, para chegar às cores no início dos anos 60. Mas o processo de colorificação nunca se assustou com a sombra preta que o acompanhou por toda a vida.
Pincel e bazuca
Não desconfiam os incautos e aventureiros que tirar as sombras, ao invés de construí-las, é tirar a alma e o caráter da representação do corpo iluminado e tocam a acender luz de todo lado. Vem luz de baixo, de cima, de um lado e de outro, sem saberem que cada luz tem um recado a dar àquele que está vendo a imagem iluminada.
Os grandes mestres da arte de fazer ver são o Sol e a Lua. E, cada um por sua vez, comandam a direção e a intensidade da luz, matizada pelos seus tons naturais. A mais notável característica de uma boa iluminação é a disciplina da luz, traduzida pela sua direção e intensidade. O projetor de luz, assim como a câmera, são prestimosos imbecis, sem emoção, significado e intenção, embora possam, sob o comando do um ser pensante, conhecedor dos princípios da iluminação e desprovido de vaidade (muitos se acreditam deuses) fazer surgir muitas emoções nos corações e mentes dos espectadores.
Muitos não sabem que o mais importante dispositivo de uma câmera não é o botão que dispara a função de fotografar, de filmar ou de gravar, mas é a janelinha que a tudo potencializa, por inclusão ou por exclusão. E que tudo se realiza sob o manto sagrado da luz, neste definitivo espaço da janelinha chamado enquadramento, que também tem seu código de significados (por sua vez, dependentes do processo de edição).
Muitos amigos que estão em campanha, quando eu os ouvi em seus pronunciamentos de rádio, saíram-se bem, mas suas imagens foram destruídas pela TV, embora dizendo as mesmas coisas que disseram no meio radiofônico. Apareceram sem suas melhores características pessoais que as técnicas de media-training devem realçar, e não substituir. Na TV, vale o olhar, o gestual, o ritmo frasal, mas tudo isso está sob o sagrado manto da iluminação e potencializado pelo mais antigo elemento da fotografia, do cinema e da TV: a janelinha. Aqui, aparece outro complicador, apresentado em muitos programas de TV: o enquadramento e a edição (que quer dizer edificação, construção, construção de sentidos).
Muitos operadores não viram suficientemente os quadros de pintores que consagraram a proporção da representação de imagens na tela. Um dos grandes cineastas italianos, mestre do neo-realismo, Luigi Zampa, dizia: a câmera, às vezes, é pincel; e, às vezes, bazuca.
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Cineasta, doutor em Comunicação e Arte, dirige, em Brasília, o Instituto Animatógrafo de Comunicação