Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A História do Brasil em grandes reportagens

Há dois belos livros na praça, indispensáveis para entender o Brasil. Não foram escritos por historiadores, mas por jornalistas. Um é 1822 (Nova Fronteira), de Laurentino Gomes, autor de outra publicação deliciosa, 1808, que já vendeu 600 mil exemplares. Recentemente lançado, 1822 já vendeu 100 mil exemplares em três dias.

O outro é Brasil: uma História – cinco séculos de um país em construção, de Eduardo Bueno, que a editora Leya acaba de relançar em nova edição, consideravelmente ampliada e com revisões indispensáveis. São 478 páginas do mais puro deleite.

Neste artigo vou me ocupar do livro de Eduardo Bueno, deixando a obra de Laurentino Gomes para a próxima semana. Os dois são muito bem-vindos à galáxia Gutenberg, onde pontificam historiadores que, se mais precisos, não conseguem despertar o interesse do grande público por uma questão de linguagem. Muitos deles são frutos de dissertações e teses e foram engessados pelo jargão universitário, obrigatório em bancas examinadoras, para as quais o sujeito é tanto melhor quanto mais diz alguma coisa segundo alguém que a dissera antes. Infelizmente é esta a realidade na maioria das defesas, que costumam interessar apenas aos membros da banca. Apesar de serem proclamadas como defesas públicas, o público está ausente nessas horas.

Uma chance de contar a história de modo diferente

Também a história das palavras nos ajuda a entender esses livros que buscam entender o Brasil. Somos mais ou menos como o porquinho-da-índia. O animalzinho não é porco, é roedor. E é originário das Américas Central e do Sul, não da Índia. O sufixo ‘eiro’, próprio de ofícios – pedreiro, ferreiro, marceneiro etc. – serviu para designar o habitante do Brasil. Por causa do nome de um pau, o pau-brasil, o brasileiro não é braziliense, como quis o patrono da imprensa brasileira, Hipólito da Costa, no celebérrimo Correio Braziliense. E aqui jamais houve índio algum! Aqui não é a Índia. Este, aliás, foi engano dos próprios descobridores da América e do Brasil. Ainda assim, tivemos a Companhia das Índias Ocidentais, por oposição às Índias Orientais.

Os deliciosos causos de Eduardo Bueno sobre a História do Brasil podem começar a ser degustados pelo étimo de causo. Seus causos são casos com causas. Ele nos explica de modo saboroso como se deu a nossa história.

Os estudantes que tiveram aulas aborrecidas e aborrecentes de História do Brasil deem uma chance a Eduardo Bueno para lhes contar outra vez e de modo diferente como se deram os causos. Vejam como ele narra a partida da poderosa frota de Pedro Álvares Cabral. ‘Era domingo, e Lisboa, capital ultramarina da Europa, estava em festa. Os treze navios da frota mais poderosa já armada em Portugal balouçavam nas águas reluzentes do Tejo.’

Um guia turístico de cinco séculos

João da Barros, testemunha ocular da célebre viagem, deu a trilha sonora da partida: ‘O que mais elevava o espírito eram as trombetas, atabaques, tambores e gaitas.’ Bah, tchê, Bueno começa um festival de detalhes imperdíveis: ‘Pedro Álvares Cabral, filho, neto e bisneto de conquistadores, mais um militar do que propriamente um navegador, rezava, silente. Aos 32 anos, estava pronto para a sua primeira missão em além-mar.’

Encantam-me esses detalhes, dados com ar de descuido, algo que o autor ia cortar do texto, talvez, mas que à última hora deixou passar. Sim, como é importante saber a idade de Pedro Álvares Cabral. Tinha apenas 32 anos e aquela foi sua última viagem. Caiu em desgraça, talvez por ter voltado com apenas seis das treze embarcações, ainda que carregadas de especiarias, inaugurando o primeiro superfaturamento da História do Brasil e a primeira vez que o 13 deu azar! A pimenta, o cravo e a canela trazidos da Índia chegaram a ser vendidos por até dez vezes mais.

Cabral comandava 1.500 homens, dos quais 1.200 eram militares. Portugal era um Estado guerreiro, religioso e mercante. Vieram também dezesseis frades. Os Lusíadas, a obra-prima de Luís de Camões, fez dos audazes navegadores personagens eternos. E o pintor catarinense Victor Meirelles mostrará Frei Henrique de Coimbra solenemente paramentado e portugueses vestidos dos pés à cabeça numa calorão danado, ao lado de índios pelados no memorável quadro ‘A Primeira Missa no Brasil’.

Eduardo Bueno é guia turístico numa viagem de mais de cinco séculos. Começa em 1500 e termina em 2010. Seu livro é a melhor e mais bem escrita síntese da História do Brasil.

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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras