Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Porta-vozes dos presidentes dão sua versão

Um dos problemas da produção acadêmica sobre jornalismo no Brasil tem sido a raridade de trabalhos dedicados a documentar fatos. Gastam-se muito mais tempo e energia em teses abstratas do que no exame da realidade. O que inevitavelmente leva a estudos frágeis e pouco úteis.

É louvável que, na contramão dessa tendência, André Singer, jornalista com sólida vida acadêmica paralela, o editor Mário Hélio Gomes, o diplomata Carlos Villanova e o jornalista Jorge Duarte tenham produzido o livro ontem lançado (11/9) com o título No Planalto, com a Imprensa, que transcreve entrevistas feitas com praticamente todos os ocupantes da função de secretários de Imprensa e porta-vozes da Presidência da República desde Juscelino Kubitschek até Luiz Inácio Lula da Silva.

Essas funções são vitais em qualquer democracia, ainda mais naquelas em que, como a brasileira, o Poder Executivo é tão relevante. Para o jornalismo, também são fundamentais, já que muita informação e desinformação essenciais para o público de lá procedem. A relação entre ocupantes desses cargos e colegas ‘do outro lado do balcão’ são sempre complexas e ricas. No entanto, pouco se sabe sobre elas e o seu exercício no país. A falta de documentação é tamanha que André Singer relata, na apresentação, que ‘não se tem conhecimento da data precisa em que o escritor Autran Dourado, o decano dos secretários, foi designado por JK’. As pesquisas feitas pelos autores apontam para o provável ano de 1958.

Margem a contradições e controvérsias

Nos EUA, qualquer estudante de jornalismo aprende que o primeiro secretário de imprensa formalmente designado pela Casa Branca foi George Edward Akerson, pelo presidente Herbert Hoover, em 1929. E não faltam naquele país bons livros ou de memórias de ex-secretários ou de história (como All the Presidents´ Spokesmen, de Woody Klein, de 2008) ou mesmo de teoria jornalística (como Spin Cycle, de Howard Kurtz, sobre a atividade da secretaria de Imprensa do presidente Bill Clinton, de 1998).

André Singer deixa muito claro logo no início que ele e os outros organizadores estavam conscientes das limitações de sua obra: ‘Sem a pretensão de ter realizado um trabalho de história, procurou-se, contudo, reunir o máximo de informações cabíveis em um livro de memórias.’

Nesse sentido, ela é bastante valiosa. São 24 depoimentos importantes dos 26 ocupantes desses cargos em meio século de República (dois preferiram não ser entrevistados: José Maria de Toledo Camargo, do governo Geisel, e Ana Tavares de Miranda, do governo FHC). As entrevistas dão ampla liberdade ao depoente para se expressar. Momentos fundamentais da vida nacional são revividos com interesse e quase sempre muita verve. Os relatos não foram factualmente checados, e não seria o caso, o que pode dar margem a contradições e controvérsias. Mas os organizadores tiveram o cuidado de acrescentar centenas de notas para contextualizar as falas, didáticas mas perturbadoras da leitura.

E deixaram um material precioso para os pesquisadores que quiserem se aprofundar no tema.

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Jornalista