Como reagirá Portugal, agora que o “mercado” – esse ente protegido pelos signatários da dominação econômica norte-americana-europeia – o chama de “lixo”? Dito e ecoado, sem crítica alguma, pelos meios de comunicação de lá e de cá? É mais que passada hora de os portugueses darem um “basta”, como o vêm fazendo os espanhóis, os islandeses, os gregos. O Rossio foi muito importante. Entretanto, é preciso mais para que Portugal trave sua própria guerra anticolonial. Pois é essa a irônica condição que o “mercado” lhe quer impor: a de colônia.
A máscara da direita, ora no poder, cai diante da ação do “mercado”. Lixo? Creio que jamais Portugal foi assim tratado, seja histórica, seja política, seja economicamente.
O que dirá o atual governo, submisso? De um partido do qual outrora um então primeiro-ministro (Durão Barroso) renunciou ao governo para ser funcionário, “subalterno”, da Comissão Europeia? “Porreiro, pá”, diriam? Um governo de um partido que agora retorna – o PDS, direita – e tem por primeiros atos extinguir o ministério da Cultura. Sim, grifo meu, pois é emblemático e grave que um país, qualquer que seja, abra mão de manter uma instância como um Ministério da Cultura, sobretudo em se tratando do país do qual emana uma das línguas mais adaptadas e faladas do mundo (e, segundo a Wikipedia: “excetuando-se 4 milhões de galegos”). A quinta ou sexta língua mais falada, dependendo da comparação com o árabe, quando esta é a primeira língua dos seus adeptos.
Vai-se o presente e, quiçá, o futuro
Camões talvez esteja a fazer estremecer os alicerces do Mosteiro dos Jerônimos e Saramago de certo inquieta aos ventos os seus récem-adquiridos ramos olivai, mais por revolta do que a gargalhar, dado o seu raro humor.
A esquerda portuguesa, à deriva. O PS, ambidestro (e que António Costa, de longe a mais interessante personagem do PS, se saia e se mantenha ileso de tudo isso). O PCP, o mesmo e conformado há décadas. O Bloco de Esquerda, interessantíssimo e engessado por reproduzir práticas organizacionais e burocráticas e a espantar os “devires”, distanciando de suas práticas e discursos o desejo e as aspirações não-organizados dos jovens e dos desencantados com a política institucional. Que Miguel Portas seja ouvido em seus clamores para que os “bloquistas fundadores” cedam espaços ao arejamento de ideias.
De prático, o jornal português i lançou urgente petição online intitulada “A Europa não é um lixo”, que em cinco dias (até o ultimo sábado, 9/7) tinha cerca de 1.500 signatários. Pouco? Talvez. Entretanto, não deixa de ser inciativa interessante em se tratando do campo midiático, geralmente dócil e servil às determinações econômicas do mercado internacional, seja o mercado privado seja o institucional (FMI, BCE, Banco Mundial). E não só em Portugal ou Europa; por cá também, basta ver a importância desproporcional que os jornalões e telejornais concedem às tais agências de “classificação de risco”.
E deixo meus votos para que os portugueses, sobretudo os jovens universitários, reféns um tanto auto-celebratórios das tradições e convenções, ocupem as ruas, rasguem seus trajes [“traje” é o nome genérico das vestes formais no âmbito acadêmico. Os graduandos geralmente usam terno (fato, em Portugal), gravata e capa preta o ano todo, o que lhes valeu a alcunha de “Harry Porter”, forjada pelos estudantes brasileiros em Coimbra. Em 1969, em protesto contra a ditadura salazarista e alinhados às revoluções de costumes da época, os estudantes de Coimbra aboliram o traje, reestabelecido em 1985] e os atirem à face dos que lhes querem roubar o presente e, quiçá, o futuro.
***
[Túlio Muniz é jornalista, historiador e doutor pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra]