Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pombo correio

Às vezes, o ‘óbvio’ nos faz refletir, ou mesmo ver o que queremos ignorar. Em seu blog neste 11 de setembro, data para americanistas e imperialistas emblemática, Daniel Castro deu uma nota muito interessante. Em meio as milhares de protestos sobre o atentado à ‘democracia americana’ anos atrás, temos que refletir sobre temas que não estão na agenda-setting da sociedade atual. Ou no mínimo olhá-los sem a discrepância dos que repetem os discursos normativos.

Que culpa tenho eu de que alguns cooptados pelo sistema compraram o discurso aculturador do sonho americano? Alguém os obrigou a viver nas terras de domínio democrata-republicano? Segundo a maioria das religiões orientais, o universo é regida pela lei de causa e efeito. Sendo assim, alguém que se destina a um país que durante anos perpetrou e articulou a discórdia, financiou ditaduras, destruiu com seu poderio econômica matas, culturas e inimigos ideológicos não tem a capacidade de pensar que está pisando em uma zona de risco?

A inocência ou ignorância destes é apenas um exemplo do quão pode ser torpe, inóspita e decrépita a humanidade nestes anos pós-modernos que vivemos. Nesta coluna, Daniel Castro cita o antropólogo argentino Néstor García Canclini, especialista em globalização e um dos principais teóricos da comunicação na América Latina. Ele afirma que as redes de televisão tratam o telespectador adulto como uma criança de seis anos.

A idade do público

As duas colocações dos parágrafos anteriores são convergentes em um ponto. Explico antes que recebe a critica dos semitistas de plantão, esses que abominam os que não são capachos do imperialismo. Uso o termo semitistas por que hoje, não ser imperialista ou crítico ao status quo da mídia de massa é como ser judeu nos EUA.

Canclini proferiu em São Paulo a palestra ‘Redes Sociais, Internet e Cultura Digital’, que abriu o ciclo de seminários ‘Produção, Distribuição e Consumo Cultural: A Indústria Cultural do Século 21’, projeto do Ministério da Cultura realizado pela Escola da Cidade (faculdade de arquitetura e urbanismo), muitas afirmativas dispares da celeuma discursiva padrão. Como quando questionou ‘Como ser criativo em uma sociedade precária?’

Pergunte-se neste momento: uma conversa de bar hoje é mais ou menos politizada que 20 anos atrás? Quem não conseguir responder a essa mera questão, devo colocar-lhe no grupo dos sócio-normativos decrépitos-cooptados-acríticos da pós-modernidade. Após a palestra, o cientista argentino foi perguntado se concordava com a afirmação de que a televisão trata seu público como uma criança. ‘Por que não, se são eles [da televisão] que estão dizendo?’, respondeu.

Recentemente, Canclini foi convidado a participar de um programa de TV. Nos bastidores, foi advertido de que não falaria para um público acadêmico, como estava acostumado, e orientado a pensar que lidava com pessoas de seis anos. Parece que o mundo não muda mesmo, não é? Isso me faz lembrar a afirmação de nosso último ditador oficial ao dizer que as primeiras eleições seriam por voto indireto, pelo colégio eleitoral porque o povo não estava preparado para votar. Ou seja, o povo que vê TV não está preparado para ouvir uma crítica científica sobre… Adivinhe! TV!

A felicidade dos pombos

Vivemos uma era cínica, de verdades veladas e mentiras gritadas aos quatro ventos. O mais deplorável é que certos discursos repetidos com o tempo se tornam verdade. O meu pedido a população é de atenção, cuidado e zelo por suas vidas e pensamento como indivíduos que são. Não podemos estar cada vez mais a mercê de discursos fundamentalistas sem fundamentos. Já deveríamos ter passado a fase em que o importante não é o conteúdo, mas apenas por quem ele é emanado.

Ofereço aos meus pares da raça humana uma lista de afirmações, que se continuarem a ser levadas como verdade ferem e põem em risco a vida da espécie no futuro:

‘É pro Fantástico?’ (Imitação do presidente Itamar Franco, feita pelo Casseta e Planeta, reforçando o estigma de que o país possui apenas uma emissora de TV.)

‘Nunca antes na história desse país…’ (Jargão do presidente Lula, que tem como sub-texto o fato de o povo não ter memória.)

‘Político é tudo igual!’ (Povo brasileiro, que foi ensinado a nunca tomar partido e que é ruim ter opinião própria.)

‘PT e PSDB são opostos e as únicas opções no Brasil.’ (Mesmo praticando políticas gêmeas nos últimos 16 anos.)

‘A pobreza no país diminuiu.’ (Para quem, eu não sei. Continuo sendo assaltado com a mesma periodicidade. Ou será que é uma nova categoria olímpica?)

Antes que faça questionamentos mais polêmicos, deixo alguns dados para fingir que sou imparcial. Claro a ironia vem por que a grande maioria não vai entender sobre onde eu quero chegar com esse artigo. Outra parte vai me chamar de louco. Talvez nem eu saiba? Irônico, como Fidel Castro ao dizer para um jornalista americano – ou seria um americano jornalista? – que o sistema cubano não serve mais para Cuba.

Deixo dados do PNAD, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o mais importante termômetro da economia nacional, realizado pelo IBGE e divulgado anualmente. Alguns resultados do estudo mais recente, relativo ao ano de 2009 são: a renda média do brasileiro subiu – de R$ 618,00 para R$ 630,00; os 10% mais ricos alcançaram uma renda média mensal de R$ 4702,00; os 10% mais pobres tiveram aumento zero na renda, que está na média de R$ 127,00.

A felicidade dos pombos da praça é receber migalhas e depois defecar na cabeça daqueles que não lhes dão suas sobras.

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Ator, diretor teatral, cantor, escritor e jornalista, Florianópolis, SC