Às 10 horas de ontem [domingo, 10/7], quando o magnata australiano Rupert Murdoch aterrissou em Londres, já era difícil encontrar na cidade a última edição do News of the World, tabloide que ele mandou fechar após o envolvimento da publicação com grampos e suborno a policiais. Murdoch tenta dar pessoalmente fim ao escândalo que colocou sobre o premiê britânico, David Cameron, a pressão de impedir a ampliação dos negócios do bilionário no país.
Com uma história de 168 anos, o News of the World era a edição dominical do tabloide The Sun e atingia uma tiragem de 2,7 milhões de exemplares. Na quinta-feira [7/7], o conglomerado News Corp., de Murdoch, que controla o tabloide, anunciou seu fim por causa da indignação popular e da fuga de anunciantes após o escândalo envolvendo escutas telefônicas ilegais para obter informações exclusivas.
No bairro de Peckham, um reduto do que os ingleses chamam de “working class” – a “classe operária” –, admiradores da publicação compravam ontem dois ou três exemplares para guardar como souvenir. “Tenho clientes cativos que só leem o News of the World há anos e espero que ele (Murdoch) seja rápido em lançar um outro tabloide de domingo”, disse Neel Maheter, dono de uma pequena banca de jornais espremida entre conjuntos habitacionais populares.
Em áreas mais ricas – onde os tabloides são menos populares – alguns leitores pareciam mais movidos por curiosidade. Outros viam na ultima edição uma espécie de troféu da resistência contra o império de mídia de Murdoch, que inclui outros três jornais na Grã-Bretanha e a rede de TV Fox, nos EUA.
“É interessante ver finalmente a News Corp. sofrer um revés importante”, opinou a australiana Teresa Lever, conterrânea do magnata, que comprava dois exemplares perto do conhecido mercado de Borough. Na internet, diversos grupos propunham um boicote aos outros jornais de Murdoch na Grã-Bretanha: o The Sun, o Times e o Sunday Times.
A tiragem do News of the World ontem foi aumentada para 5 milhões para atender ao antecipado interesse dos leitores. “Obrigada e Adeus”, dizia a manchete. Em um editorial, o tabloide admitia: “Simplesmente, nos perdemos em nosso caminho”. Matérias especiais lembravam historias publicadas e campanhas feitas pelo jornal. No mais, era o velho News of the World de sempre: uma página para a atriz Gwineth Paltrow de biquíni, fofocas de celebridades e muitas notícias de esportes.
Desde 2006, o tabloide era investigado por contratar os serviços do detetive particular Glen Mulcaire para ouvir mensagens telefônicas de artistas, esportistas e celebridades com o objetivo de conseguir informações exclusivas. Ontem, a imprensa britânica divulgou que e-mails de 2007 encontrados nos computadores do jornal revelam que não só as escutas eram prática comum. Também era praxe subornar policiais por informações.
Influência
Mais do que expor os métodos dos tabloides britânicos para conseguir notícias, o escândalo abriu uma grande discussão sobre o poder de Murdoch e suas relações com a elite política britânica (mais informações ao lado). Cameron, em particular, foi colocado em uma saia justa porque seu ex-chefe de comunicações, Andy Coulson, trabalhou como editor do tabloide até 2007. Coulson foi detido na sexta-feira, acusado de autorizar as escutas, e solto sob pagamento de fiança. O premiê britânico é pressionado a se pronunciar contra a possível venda da rede de TV a cabo BSkyB (mais informações abaixo), a maior da Grã-Bretanha, para o grupo de Murdoch.
De acordo com alguns críticos, a decisão do magnata de acabar com o News of the World seria parte de uma estratégia para evitar problemas na compra da BskyB. Segundo a imprensa britânica, o jornal poderia ser substituído por outra publicação ligada ao The Sun. A News Corp. registrou a marca “The Sunday Sun” na semana passada, embora Murdoch tenha evitado falar sobre o tema.
A empresa pode lançar um novo tabloide aos domingos, mas as relações com a elite britânica parecem ter sido abaladas. Segundo artigo do jornalista Andy McSmith no jornal The Independent, desde 1979 nenhum líder britânico venceu as eleições sem o apoio dos jornais de Murdoch. “É possível que o magnata tenha simplesmente apoiado os que venceriam de qualquer maneira, mas o importante é que políticos como Tony Blair e David Cameron acreditavam que ele tinha o poder de fazê-los vencer ou de destruí-los”, diz McSmith. “Agora o clã Murdoch não está mais no centro do establishment britânico. E é difícil saber se estará de novo em algum momento.”
Para lembrar
As denúncias contra o News of the World vêm de 2006, mas a sentença de morte do tabloide veio com as revelações, feitas na semana passada, de que investigadores a serviço do jornal invadiram a caixa postal de uma adolescente sequestrada e morta em 2002, de parentes de vítimas dos ataques terroristas de 2005 em Londres e de soldados mortos no Iraque e no Afeganistão.
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[Ruth Costas é jornalista]