A mídia mundial trouxe ao conhecimento do público um fato muito grave, envolvendo escutas telefônicas por parte de um tabloide londrino, o News of The World. Uma publicação sensacionalista que sai aos domingos na brecha do The Sun, que não circula nesse dia. Ambos de propriedade de Rupert Murdoch.
A descoberta dos métodos do jornal, que costumava empregar detetives particulares para obtenção de notícias, deixou a todos estarrecidos: não foi apenas o telefone da menina morta em 2002 que foi grampeado: o periódico monitorava cerca de 4 mil pessoas, revelou a polícia metropolitana de Londres (que também foi alvo de muitas críticas, como desistir de seguir pistas importantes). Como bem definiu Eugenio Bucci, no programa Entre Aspas, da Globonews, exibindo na quinta-feira (7/7), “era um verdadeiro modo de produção”, um modus operandi firmemente estabelecido e em ação há anos.
Sob exame
Na sexta-feira (8), recebi um e-mail do News of The World: era a informação formal que o periódico eviou a todos os leitores e leitoras sobre sua edição final. Cada leitor registrado recebeu o convite para a execução privada em massa, direto da web, de um jornal com 168 anos de tradição. “O periódico irá ao ar”, dizia a mensagem, “aberto ao publico”, e pela última vez, no domingo, 10 de julho. O espaço dos anunciantes “será cedido a causas de caridade e devotado ao tratamento do outros com dignidade”.
No dia 10, foi transmitida a última versão online do tablóide. “Depois de 168 anos, nós finalmente dizemos um triste, mas orgulhoso adeus aos nossos 7,5 milhões de leitores”, dizia o texto na “capa” da edição final da web.
Testemunhar o final do jornal inglês é uma boa ocasião para lembrar que esse periódico já teve muitos bons momentos. O News of The World foi o campeão na liderança da campanha de Sara Payne em 2000 (Sara’s Law – A Lei de Sara), que teve a filha assassinada por um pedófilo, na luta pela autorização do acesso das autoridades às fichas dos condenados por abuso a crianças. Mas os fatos infames que ocorreram depois de 2002 é que vão marcar para sempre a história do pequeno gigante inglês.
O furor das invasões do jornal não poupou ninguém na sociedade inglesa: desde o neto da rainha, William, até vítimas dos atentados terroristas em 2005 em Londres, e veteranos da guerra no Iraque. Passou pelo gabinete do primeiro-ministro David Cameron, que contratou o ex-editor Alan Coulson como seu porta-voz, informou o “Último Segundo“. Coulson é suspeito de avalizar escutas telefônicas.
Como se pode notar, a lista de vítimas das artes obscuras do tablóide é um verdadeiro corte transversal na sociedade da Inglaterra: expõe toda a amplitude e dimensões do estrago feito pelos métodos sujos empregados na coleta das informações, em quase todos os segmentos da sociedade local.
Uma das grandes questões levantadas pela imprensa mundial foi o impacto que essas ações abomináveis teriam sobre os interesses da Rupert Murdoch na mídia britânica. O magnata australiano pretende a hegemonia nas comunicações na ilha. Já havia conseguido aprovação governamental para adquirir toda a BSI (British Sky Broadcasting), mas agora os reguladores ingleses resolveram dar uma segunda vista na autorização da compra do que sobrou em mãos dos antigos donos. Querem saber se a News Corporation “está preparada para receber uma licença de transmissão”, explicou o The Street, um informativo de mídia tecnológica e serviços digitais norte-americano.
Fragilidades expostas
Mas a melhor argumentação, a que mais contribui para a reformulação necessária da regulação da mídia inglesa, foi escrita por John Kampfner, o editor Index on Censorship. Com seu artigo, intitulado “A mídia inglesa deve começar a policiar a si mesma”, ele acredita que parlamentares e mídia contam, felizmente, com três concordâncias básicas para uma reforma radical no jornalismo britânico, “que limpe a profissão e expulse os criminosos”: a inefetividade atual do órgão encarregado da autorregulação da mídia impressa na Inglaterra, o PCC (Comitê de Reclamações de Imprensa, na sigla em inglês), o momento difícil para a promoção da liberdade de expressão e o avanço da privacidade como direito absoluto, em detrimento do direito de livre expressão.
“Um inquérito público sobre as escutas telefônicas”, continua Kampfner, “deveria ser bem vindo e serve não só ao propósito maior de afastar tubarões e bandidos, mas para ajudar a restaurar o jornalismo ao seu devido lugar como um destemido, mas justo, desafio à autoridade”.
Ao definir o jornalismo como um desafio necessário a autoridade, Kempfner cumpriu dois objetivos importantes: ajudou a iluminar os novos caminhos que certamente serão encontrados pela mídia inglesa depois da crise atual, e acrescentou uma visão contemporânea e corajosa do jornalismo (na hora em este mais precisa), depois que revelações tão chocantes expuseram ao mundo as fragilidades da mídia inglesa. Que, malgrado as misérias do momento atual, não deixará de ser uma das mais vibrantes, diversas e melhores do planeta.
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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano e regional, consultor e tradutor]