Um pastor renegado e seu rebanho minúsculo atearam fogo a uma cópia do Alcorão e tomaram o cuidado de filmar o ato. E foram ignorados.
A ação aconteceu em 2008 e envolveu membros da Igreja Batista Westboro, de Topeka, Kansas, um grupo quase universalmente condenado de fundamentalistas.
Mas os planos de outro pastor, Terry Jones, de cometer ato semelhante, ganharam a atenção da mídia mundial, que chegou ao auge na quinta-feira, quando ele cancelou o que batizara de Dia Internacional de Queima do Alcorão – e, depois, disse que apenas o ‘suspendera’.
O plano coincidiu com a polêmica proposta de construção de centro comunitário muçulmano em Manhattan, e com debate sobre liberdades de expressão e religiosa.
O próprio Terry Jones conseguiu colocar-se no centro dessas questões. Ele disse que deu mais de 150 entrevistas em julho e agosto, sempre expressando visões extremistas sobre o islã e a sharia.
Exame de consciência
Na metade desta semana [passada], a queima do Alcorão já era a primeira notícia de alguns jornais na TV.
O plano tornou-se o assunto do momento nos EUA depois de protestos no Afeganistão e de o comandante das forças da Otan no país, David Petraeus, avisar que queimar o Alcorão poderia colocar a vida de soldados em risco.
O pastor começou a fazer barulho no ano passado, quando ergueu diante de sua igreja um cartaz dizendo: ‘O islã é do diabo’. O Gainesville Sun escreveu sobre isso, sob a manchete ‘Cartaz anti-islã de igreja suscita ultraje em comunidade’.
Os protestos da igreja continuaram. Crianças foram à escola com camisetas com dizeres anti-islã, motivando outro artigo do Sun, que foi reportado pela Associated Press (AP), o USA Today e a TV árabe Al Arabiya.
Jacki Levine, editora administrativa do Sun, disse ter discutido várias vezes como fazer uma cobertura ‘responsável’ do tema. ‘Tomamos o maior cuidado possível.’
O anúncio feito por Jones teve pouca atenção de início. Um único artigo foi publicado num pequeno site. Mais tarde, o texto foi mencionado por sites maiores, e no final do mês Jones já tinha sido chamado para falar à CNN.
Antes da suspensão do plano, a AP decidiu não distribuir fotos do Alcorão em chamas, reafirmando política de não cobrir fatos ‘manufaturados gratuitamente para provocar e ofender’.
Bill Keller, editor-executivo do New York Times, afirmou que o jornal procura ‘não causar ofensa em grande escala a não ser que exista alguma finalidade jornalística que o justifique’. ‘A liberdade de publicar inclui a de não publicar.’
O episódio gerou pelo menos algum grau de exame de consciência por parte das organizações noticiosas.
Chris Cuomo, âncora da ABC News, escreveu no Twitter: ‘Acho que a mídia infundiu vida a essa queima na Flórida, e isso foi insensato’.
******
Do New York Times