A seção “A Pedidos” “é criação e invenção do Brasil, coisa tão nossa como o Pão de Açúcar, as revoluções incruentas e a goiabada”, escreveu Olavo Bilac.
Também conhecida como “entrelinhados”, a seção “A Pedidos” dos jornais publicava cartas apócrifas, acusações, piadas, recomendações médicas, reclamações, anúncios comerciais, brigas políticas. Também era usada para defender ideias e, principalmente, para atacar os inimigos de maneira anônima.
Vários diários publicavam seções com esse nome no fim do século XIX e boa parte do XX, mas a mais conhecida e a mais usada era a do Jornal do Commercio: quando se falava, no Rio de Janeiro, de uma diatribe ou de uma polêmica nos “A Pedidos”, entendia-se que tinha sido publicada no JC.
A seção “A Pedidos”, que aparecia no Jornal do Commercio sob a rubrica “Publicação A Pedido”, era uma seção muito lida e comentada, asperamente criticada e extremamente influente – além de tornar-se uma excelente fonte de renda para o jornal. Divulgava indistintamente artigos e análises de alto nível, opiniões, transcrições de outros jornais e uma boa dose de insultos, quase sempre anônimos. A publicação era paga por adiantado pelo autor – como qualquer outro anúncio.
Os “A Pedidos” do Jornal do Commercio foram uma importante tribuna de debates numa época em que a imprensa era, quase toda, partidária. Alcindo Guanabara disse que os “A Pedidos” eram uma instituição, “uma coluna livre, cuja existência, só por si, demonstra quanto naquela época os dirigentes tinham em apreço o debate público, de que o povo era o juiz. O Jornal vinha ao encontro de uma evidente necessidade do meio, abrindo suas colunas a todos que tivessem uma opinião e a quisessem emitir, sem outra restrição do que a imposta pelo decoro”. Mas nem sempre a restrição do decoro era observada.
Guanabara afirma também que, até a queda do Império, nenhum governo deixou de recorrer a essa coluna, para defender-se ou para explicar-se. Segundo ele, o “entrelinhado” matou o jornal partidário, tornando-o uma desnecessária sobrecarga. A partir de 1860, pode-se dizer “que é nos A Pedidos do Jornal que se travam os mais brilhantes debates públicos e se digladiam os mais brilhantes dos nossos escritores partidários. Não há mais um progresso, não se faz mais uma conquista, não se derruba mais um ministério, não se liquida mais uma situação, sem se travar, nessa arena, a luta que esses atos provocam”. Nos “A Pedidos” se liquidam as rivalidades e decepções da Guerra do Paraguai, preiteia-se a Lei do Ventre Livre. “Tomem-se os nossos homens mais brilhantes de 1875 a 1888, e se não os encontrardes combatendo em outro terreno, certo os encontrareis nos entrelinhados do Jornal, mal embuçados em pseudônimos transparentes”.
Ataques a Pedro II
Segundo Nelson Lage Mascarenhas, “na seção de anúncios e de A Pedidos encontravam os grandes jornais a fonte de receita substancial. Bem curiosa esta seção. As discussões das demandas jurídicas, com sabor de escândalo, transpunham-se para ela. Cobravam-se dívidas mediante comunicados onde o credor pedia o pagamento do débito sob ameaça de publicação do nome do devedor. Denúncias contra a administração, autoridades, direção de colégios, contra os políticos, os vizinhos, as desvantagens pessoais, tudo sob anônimo, achavam ali seu desaguadouro. Eram as célebres mofinas, de que Machado de Assis dizia tanto gostarem os fluminenses. Fazia-se propaganda: de mercadorias, das virtudes milagrosas de remédios, dos processos curativos infalíveis, de sanguessugas impolutas para as sangrias, então em grande voga. Não se usavam títulos gritantes, ocupando colunas de jornal. Desconhecia-se esse meio de chamar a atenção dos leitores. O processo era outro, mais sutil, mais penetrante”.
Os “A Pedidos” eram usados anonimamente pelos ministros do Império, diretamente ou por intermediários, onde escreviam o que não queriam estampar nas colunas do Diário Official; os nomes mais famosos se escondiam atrás de pseudônimos.
O próprio Jornal do Commercio também apresentava a seção como uma tribuna livre: “Todos os que se sentiam insultados, ofendidos, prejudicados, todos que tinham uma ideia e a queriam anunciar achavam nos A Pedidos a garantia de seu desabafo, o amparo de suas afirmações. Era campo neutro, onde todos podiam entrar. Os governos se defendiam em artigos e os grandes escritores assinavam com pseudônimos tirados dos nomes de estadistas ingleses naquela época.”
Na verdade, os “A Pedidos” eram também a seção que acolhia insultos, calúnias, diatribes. O economista Eugênio Gudin lembra: “Havia também no Jornal uma seção de matéria paga, sob a epígrafe de ‘A Pedidos’, em que se travavam discussões de interesses ou de caráter pessoal. Os debates eram vazados numa linguagem desabrida como hoje seria difícil encontrar a equivalente”.
Kátia Maria de Carvalho Silva, em sua obra sobre o Diário da Bahia, escreve que um cidadão qualquer denunciava injustiças de que se julgava vítima e estas queixas eram envolvidas em calúnias. A Lei de Imprensa da época não previa o delito da calúnia. Era permitido fazer na imprensa, anonimamente, qualquer acusação contra a polícia, o governo, a magistratura, o imperador. Segundo Octávio Malta, “Os A Pedidos eram a ponte de fixação dos azedumes e da agressividade dos periodistas anônimos. E, entre os anônimos, contavam-se políticos, ministros de Estado e, recuando na história, vamos encontrar o nosso primeiro imperador colaborando na esquina da verrina”. Acrescenta: “A mais famosa coluna A Pedidos foi do Jornal do Commercio. Em poucos palmos, às vezes em polegadas apenas de prosa contundente, explosiva, destruíam-se reputações”.
Nem o imperador era poupado. Escrevia o ministro da Áustria no Brasil que o tom dos ataques da imprensa a d. Pedro II “causaria ao autor de tais artigos em toda a Europa, e até mesmo na Inglaterra, onde se tolera uma dose bastante forte de liberdade, um processo de alta traição”. Mas d. Pedro II os tolerava: “Os ataques ao imperador (…) não devem ser considerados pessoais, mas apenas manejo ou desabafo partidário”.
Mais moderação
Joaquim Nabuco emitiu também um juízo bastante severo a respeito dos “A Pedidos”. Ele escreveu em seu diário que era “o Jornal do Commercio a única empresa desse gênero no mundo. Percebe um tanto por cada calúnia de que é canal e que só a sua grande publicidade estimula. É a lavanderia do país, e pela roupa suja que recebe cobra o dinheiro de que se sustenta. Não é nada mais do que um muro branco no qual não é proibido ‘déposer des ordures’ (jogar lixo). Não é escrito nem arranjado, nem combinado, nem feito; é impresso, e o tipógrafo é apenas o divulgador do contribuinte. Não tem redação, como a lama não tem estilo nem vergonha nacional, a exceção da imprensa universal, muito rico pelo gênero de especulação desonesta que prossegue, imagem fiel de uma certa sociedade luso-fluminense”.
Na edição que comemorou seu centenário, o jornal comenta que Nabuco foi um pouco injusto com os “A Pedidos” e que os abolicionistas, entre os quais ele se encontrava, os usaram amplamente para divulgar suas ideias. O próprio Nabuco escrevera vários artigos nessa seção sob o pseudônimo de Garrison, Ruy Barbosa como Grey e Gusmão Lobo assinando Clarkson. Ficaram conhecidos como “os ingleses do senhor (Rodolpho) Dantas”. Igualmente, esse espaço foi utilizado para defender ideias opostas: os escravagistas recorriam a ele para combater a imprensa abolicionista.
A respeito dos “A Pedidos”, um escritor disse que alguns estrangeiros ficavam escandalizados com esta forma especial de nossa imprensa e que outros a encontravam simplesmente cômica. “No entanto, nada tem de extravagante: ela tem suas razões de ser, e estas existem…” Mais rigoroso, um escritor paulista qualifica a “Seção Livre” como um “cano de esgoto de afrontosas mofinas”.
Marialva Barbosa escreve que, segundo o Correio da Manhã, “milhares de contos de réis saíram do Banco da República para pagar a jornalistas, amigos do governo, elogios ignóbeis que depois eram transcritos nos ‘A Pedidos’ do Jornal do Commercio”.
Quando o “Jornal” percebeu que a seção afetava sua imagem de jornal sério, o redator-chefe escreveu ao proprietário, o conde de Villeneuve: “Tenho sido um pouco rigoroso em receber publicações a pedido violentas e insultuosas; desejo apertar mais a restrição porque entendo que o jornal deve impor-se por todos os aspectos ao respeito geral; perderemos algum dinheiro a princípio? Talvez, mas ganharemos em consideração mais tarde, estou certo, também pecuniariamente”. Em outra carta: “Folgo em saber que encontrou todo o apoio, como eu esperava, o meu propósito de banir da seção A Pedidos publicações violentas e insultuosas”.
O próprio conde de Villeneuve chegou a recomendar mais moderação nas descomposturas dos “A Pedidos”, mais rigor na recepção das publicações mais violentas e insultuosas, e mais critério, “embora fosse prejudicar, por momentos, os meus interesses”. Aparentemente, o controle não foi suficientemente rigoroso, pois as inserções de insultos continuaram, mediante pagamento, e os interesses do conde foram pouco prejudicados.
Mudança de linguagem
Que o Jornal do Commercio continuou publicando os lucrativos insultos pode ser visto pelas “Cartas do Brasil”, escritas pelo francês Max Leclerc, enviado especial do Journal des Débats, de Paris: “A imprensa se avilta aceitando publicar em suas colunas de anúncios, sob o título de publicações A Pedidos, libelos infames, ataques anônimos contra personagens públicos ou privados, contra as instituições, pagos pelos interessados, entre os quais está algumas vezes a polícia. Não insisto mais, é um tema muito penoso; mas os brasileiros devem ter em vista que esse recanto mal afamado dos jornais, onde o leitor, levado por uma curiosidade malsã, deita o olhar em primeiro lugar, é um ponto gangrenado do corpo social; é preciso extirpá-lo a ferro e fogo”.
Leclerc, ao comentar a queda do Império, diz que tudo era questionado no Estado, nenhuma glória, nenhuma reputação permaneceram intactas. “Os ataques anônimos, inseridos nos jornais mediante pagamento, foram o mais seguro agente de desagregação política: a disciplina, no exército como nas funções públicas, foi mortalmente atingida.”
Os “A Pedidos” começaram a mudar sua linguagem depois de 1889, embora no começo do século ainda guardassem alguma virulência. Com o tempo, a seção ficou bem mais comportada e menos lida.
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[Matías M. Molina é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo, em segunda edição]