A associação da expressão propaganda a algo enganoso ou exagerado é uma prática bastante generalizada, mesmo entre pessoas que se julgam informadas, apesar de todo o esforço feito, ao longo dos últimos anos, para qualificar a informação publicitária no Brasil. Dúvidas sobre a credibilidade da mensagem publicitária prevalecem mesmo entre profissionais de comunicação e às vezes entre os próprios profissionais de propaganda.
Não são muitos os que têm consciência de que a informação publicitária chega a ter força contratual, na medida em que pressupõe o cumprimento das qualidades nela alegadas. Não são muitos, também, os consumidores conscientes de que, ao afirmar numa propaganda que seu sabão em pó lava mais branco que o concorrente, o fabricante pode ser obrigado a provar isso sob pena de ver seu anúncio tirado de circulação. Da mesma forma que o fabricante de automóvel, ao dizer que o carro anunciado faz X quilômetros com um litro de gasolina, precisa estar preparado para comprovar essa afirmação.
Propaganda política
Há 25 anos, desde que implantado o Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária – e desde que criado o Conar para zelar por sua aplicação –, a propaganda enganosa ou abusiva tem vida curta: só sobrevive até que o Conar tenha tempo de entrar em ação para banir a mensagem publicitária em desacordo com suas normas.
Infelizmente, a jurisdição do Conar não alcança a propaganda política, esta sim sujeita a toda forma de manipulação capaz de vender gato por lebre, de travestir a imagem de um candidato segundo as conveniências do momento político. De atribuir a ele qualidades hipotéticas, virtudes e realizações imaginárias. De mostrar um partido comprometido com programas de ação e de governo que sequer foram passados para o papel. E de proclamar seus membros como detentores do monopólio da ética na política. Ao contrário da propaganda comercial, tudo isso sem questionamento algum, sem necessidade de provar nada. O país provavelmente estaria nas mãos de melhores governantes e melhores legisladores se houvesse um Conar para zelar pela lisura da propaganda política.
Referência principal
O livro sobre os 25 anos do Conar é resultado de uma pesquisa nos mais de 5 mil processos examinados pela entidade ao longo desse tempo, a maioria dos quais jamais chegou ao conhecimento do público. Os casos relatados no livro são alguns entre esses milhares levados ao julgamento dos conselheiros do Conar, selecionados por um critério relativamente elástico, que levou em conta desde aspectos curiosos e inusitados – como o questionamento do anúncio ofensivo ao cãozinho de raça, por exemplo – até questões de alto interesse público, como a confusão deliberada entre rendimento real e mera correção monetária na propaganda oficial da caderneta de poupança.
Trata-se de um trabalho jornalístico, que incluiu, também, pesquisas, entrevistas e coletas de depoimentos de alguns dos pioneiros da montagem desse que é um dos mais bem-sucedidos modelos de auto-regulamentação em todo o mundo, apontado como paradigma mesmo em confronto com os de países de tradição forte na defesa dos consumidores. E que, no plano interno, é visto como caminho a ser trilhado em outros setores da mídia cada vez que surgem ameaças à liberdade de expressão.
A defesa da liberdade de expressão, aliás, é tão importante na ação do Conar quanto o controle da propaganda antiética. Para avaliar a importância desse trabalho, basta lembrar a ameaça de centenas de projetos que tramitam nas várias esferas legislativas impondo restrições à publicidade, muitos deles em confronto com a própria Constituição,que aboliu a censura prévia.
O papel do Conar na arbitragem da publicidade encontra sua principal referência, talvez, no respaldo por ele obtido no Judiciário, que tem sistematicamente endossado suas decisões e baseado muitas de suas sentenças nos princípios do Código de Auto-Regulamentação.
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Jornalista