Atenção, crianças: estou a falar a meninos e meninas saídos do colegial, aspirantes a profissionais da imprensa, só a eles. Alimento a pretensão de que serei ouvido por esses futuros seres especiais, ora nos seus primeiros passos, vacilantes, em busca de viver a paixão chamada jornalismo.
Imagino que os viciados feudos ideológicos da comunicação que, no Brasil, empunharam a bandeira da desobrigatoriedade do diploma de jornalista, poderão zombar desta conversa. A vida se encarrega deles.
Para ser jornalista basta saber contar historinhas?
É claro que é gostoso contar historinhas. O ser humano nasce para contar e ouvir historinhas. Menininhos e menininhas do colegial, lógico que vai ser gostoso entrar no carro de reportagem, viajar, teclar no computador da redação as acrobacias da vida, aparecer na TV, ser chamado de jornalista. Isso não é tudo. Não é nada.
O mundo é mau, crianças, ouçam-me. Não tem tamanho a falta de pudor de quem expele tal paupérrima definição sobre ser jornalista, de que é um simples contador de historinhas. Partindo da boca de altas autoridades, como partiu, essa maldosa definição é um sarcasmo contra o mais precioso item de nossas vidas: a qualidade da informação. Sem ela, como querem os ditadores, e como se tem visto, sufoca-se a espécie humana. Jornalismo é função social vital, de imperiosa qualificação por uma faculdade e respectiva regulamentação, como igualmente são imperiosas essas regulamentações em atividades vitais como medicina, direito, engenharia.
Façam uma boa faculdade de Jornalismo
Crianças, trabalhar hoje no jornalismo, nem precisa de faculdade. A obrigatoriedade do diploma, imposta no regime militar, não existe mais. O que vai acontecer com vocês agora?
Vai acontecer isto: os pobres dos editores vão acrescentar à própria carga desumana de trabalho a função de ensinar a vocês tudo o que uma faculdade ensina. Ao mesmo tempo, menininhos e menininhas, vocês vão ser conduzidos como carneirinhos pelo caminho ideológico que os donos da imprensa impõem. Dono de imprensa tem sua opinião. Vocês, descubram as suas, estudem, façam uma faculdade de Comunicação.
Os retrógrados defensores da desobrigatoriedade do diploma de jornalista seguem os rastros sombrios dos colonizadores do Brasil, que plantaram nossa herança de mediocridade política, cultural e econômica ao proibirem, nos primórdios da vida brasileira, o uso da prensa, em consequência a própria atividade da imprensa, a criação de escolas, de universidades, de indústrias.
Retrógrados da desobrigatoriedade, vocês dão continuidade ao processo colonizador de estrangulamento do Brasil!
Crianças! Futuros jornalistas! Uma boa faculdade, frequentada com assiduidade e empenho, com bons professores, pode não apagar esse passado lamentável do Brasil, mas pode desconstruir a herança que ele deixou. Façam uma boa faculdade de Jornalismo, sepultem a desobrigatoriedade do diploma.
As faculdades, por sua vez, têm a obrigação social de manter seus cursos de Comunicação com qualidade, com todo o direito de divulgá-los e de ganhar seu dinheirinho com eles. Pelo bem do Brasil. Caso contrário, boa coisa não vem por aí.
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[Apollo Natali é jornalista]