Semana passada a imprensa televisiva novamente debateu o exame da OAB. O péssimo desempenho dos bacharéis no último exame foi noticiado e o presidente nacional da OAB veio a público cobrar a fiscalização das faculdades pelo MEC. Nos subterrâneos da notícia televisiva repousa a não noticiada exigência de fim do exame (o Google registra 259.000 resultados para a expressão “fim do exame da OAB”).
O exame da Ordem está no foco de um debate apaixonado. Defensores e críticos do exame se digladiam nos jornais, nas revistas, na internet e na TV. Alguns culpam a qualidade de ensino, outros culpam a OAB, os estudantes, as Faculdades, o MEC etc… Mas todos parecem ter se esquecido do principal. A existência ou não do exame é irrelevante. A boa qualidade dos profissionais não depende nem da formação universitária, nem do bom desempenho num eventual exame. Depende da experiência prática. Portanto, o foco da discussão não deveria ser o exame da Ordem, mas o estágio profissional na área jurídica.
É no estágio que a porca torce o rabo. Os cursos de Direito, mesmo aqueles ministrados pelas melhores faculdades, são obrigados a ministrar matérias que, via de regra, servem somente para melhorar a formação humanística dos alunos. Na prática, entretanto, algumas matérias não são e não serão exigidas no cotidiano profissional. Este é o caso do Direito Romano, que serve como uma introdução prévia ao Direito Civil, mas que se tornará um luxo, pois o Judiciário aplica este e não aquele. É também o caso do Direito Internacional, cujos institutos e instituições estão tão distantes dos estudantes quanto o Itamaraty.
Exame escrito se tornou tortura
No estágio profissional, os estudantes e advogados em potencial são obrigados a vivenciar situações reais em que a legislação em vigor é aplicada. É no cotidiano que eles terão a oportunidade de aprender a reagir a estas situações de maneira adequada, fixando conhecimentos úteis e relegando ao esquecimento várias coisas que aprenderam nas faculdades.
O estágio profissional, entretanto, foi muito prejudicado. A Lei 8906/94 restringiu muito a atuação dos estagiários. No que se refere ao estágio profissional, o novo Estatuto da OAB representou um retrocesso em relação a Lei 4215/63. Quando o projeto deste Estatuto da OAB estava sendo debatido, eu atuava como advogado no Centro de Assistência Jurídica dos Alunos da Faculdade de Direito de Osasco (uma associação civil sem fins lucrativos que prestava assistência jurídica à população carente e estágio profissional a estudantes) e fiz um estudo das alterações. Tive a oportunidade de criticar o projeto num jornal local e fui ferozmente atacado por colegas que sacrificariam tudo ao corporativismo. O tempo passou, o problema cresceu. Agora, a reprovação no exame da OAB é a regra, e não uma exceção.
Fiz o exame da OAB sob a Lei 4215/63. Tirei a melhor nota na fase escrita, mas quase fui reprovado na oral porque um dos examinadores não gostou do meu jeito. O oral foi banido, mas em compensação o exame escrito se tornou uma tortura, especialmente se o candidato não tiver tido um bom estágio. E isto é algo que ele não pode ter em razão das restrições impostas pela Lei 8906/94.
Com os erros também se aprende
O formato do exame da OAB está errado. É fato: as pessoas cansam. Por isto, exames com dezenas de questões sobre diversos temas acabam se tornando um instrumento de tortura. Quem tem melhor desempenho no exame da OAB tal como realizado ou chutou bem ou tem uma capacidade maior de resistir ao cansaço. O que deve ser examinado? Preparo intelectual para a atividade prática ou sorte e resistência física/mental?
Sou absolutamente favorável ao estágio profissional. Mas ele deveria ser mais completo. As restrições da Lei 8906/94 impedem que o estagiário assuma responsabilidades que assumia ao tempo da Lei 4215/63. Sou contra o exame da OAB, mas se a sociedade entender que o mesmo é indispensável, penso que o exame deveria levar em conta as atividades práticas desenvolvidas no estágio. Afinal, é no estágio, e não na faculdade, ou num curso preparatório para exame da OAB, que o advogado em potencial vai aprender os rudimentos da profissão.
Há 17 anos, tive uma estagiária brilhante no Centro de Assistência Jurídica dos Alunos da Faculdade de Direito de Osasco, mas ela tinha um defeito. Era muito arrogante, sua auto-confiança era excessiva e chegava a ser irritante. Sabendo que isto poderia se tornar fonte de problema futuro, certa feita eu a induzi a cometer um erro grosseiro que não acarretaria qualquer prejuízo à parte (a medida judicial correta poderia ser tomada e a que eu induzi ela a estudar e tomar iria para a lata do lixo do Judiciário). A moça seguiu meu conselho. Para completar a experiência eu a fiz despachar a medida com o juiz e o resultado foi excelente. O juiz indeferiu a medida porque era manifestamente incabível e aplicou um corretivo verbal na moça quando ela o questionou. Na época, ela ficou uma fera comigo, mas vendo em retrospecto tenho certeza de que aquilo lhe foi útil. Naquela oportunidade, ela pode aprender a ser menos arrogante e a nutrir um certo ceticismo em relação às soluções que lhe são propostas. Hoje, ela é uma profissional madura e competente, comanda um dos escritórios da Petrobras e chegou lá através de concurso e mérito pessoal.
O estagiário aprende com os acertos. Mas com os erros ele também tem a oportunidade de aprender. O foco da discussão, portanto, não deveria ser o exame, mas o estágio. Em razão de sua passionalidade e simplificação, a imprensa ainda não percebeu que, como diria Bill Clinton, o problema “é o estágio, imbecil…”
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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]