Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O ‘jornalismo nosso de cada dia’

Não sei se me surpreende, se me faz perder as esperanças de que algum dia possamos ter um jornalismo menos elitista, mais sério e social, mas o fato é que não dá para fazer de conta que não vejo as ‘pérolas’ do jornalismo brasileiro, como a que foi levada ao ar nesta quarta-feira (8/9) na edição do Bom dia Brasil, exibido pela Rede Globo. As jornalistas e apresentadoras Renata Vasconcelos e Carla Vilhena riram, sem o menor pudor, após notícia sobre o aumento do pão e derivados de trigo, como se esta notícia fosse boa e, pior, como se não representasse qualquer impacto social negativo.

Até podemos entender que o aumento de um alimento tão importante na mesa da maioria dos brasileiros e brasileiras não cause impacto nas vidas das referidas jornalistas, considerando os salários que devem receber por seus serviços prestados à Rede Globo. É muito provável que Vasconcelos e Vilhena tenham poder de compra para consumir pães tão sofisticados dos quais a maioria do(a)s mortais sequer ouvirão falar algum dia. No entanto, considerando o impacto social que a majoração do preço deste produto causa na sociedade brasileira, sobretudo nas vidas das famílias de baixa renda, se não queriam, se não sabiam ou se não podiam realizar uma análise do impacto socioeconômica de tal aumento, as jornalistas, ao menos, deveriam terminar a referida matéria poupando o(a)s telespectadore(a)s dos seus largos e belos sorrisos.

O discurso de que tudo vai bem

Será que o comportamento das jornalistas valida as tais pesquisas segundo as quais o brasileiro é o povo mais feliz do mundo, mesmo diante da miséria? Ou será que é falta de bom senso, de profissionalismo e mesmo de capacidade para discernir quando uma notícia merece ser terminada com um sorriso, com um comentário inteligente que suscite a reflexão do(a) receptor(a) ou mesmo com um silêncio revelador de perplexidade?

De acordo com a matéria, o preço do pão subirá em por causa da majoração nos preços do trigo no mercado internacional, em consequência da safra ruim ocorrida na Rússia, de quem o Brasil é comprador. No entanto, dever-se-ia refletir o porquê de o nosso país, um dos maiores produtores de alimento do mundo, depender de 50% do trigo que consome. Certamente para Vasconcelos, para Vilhena e para empresa onde trabalham talvez não seja interessante despertar o senso crítico da sociedade sobre esse tipo de questão. Melhor continuar com o discurso de que tudo vai bem (e realmente para a Globo, para os plantadores de soja, entre outros, vai mais do que bem…), para que tudo continue indo bem. Esse é o jornalismo nosso de cada dia.

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Doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid, professora dos cursos de Comunicação Social da Faculdade 2 de Julho, Salvador, BA e diretora de Agenciencia – Comunicación Científica