Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Não é mérito para ninguém’

Você está com sua equipe num país distante, uma guerra assola o território, tudo é meio confuso e incerto. No entanto, você precisa fazer seu trabalho. Um jipe com rebeldes cruza o caminho e um deles diz: ‘Tem uma batalha ali na frente, querem carona?’ Você como jornalista não pensa muito, não pergunta se o veículo é civil ou militar, qual a proteção que ele oferece ou suas chances de sair de lá vivo… apenas joga a mochila e sobe. O silêncio é cruel no meio do caminho, não existem pássaros – eles não sobrevoam locais como este –, há somente o desconfortável ruído do motor. Após alguns minutos você começa a ouvir barulho de tiros e bombas. Um cheiro de pólvora entra pelas suas narinas, as feições dos colegas contraem-se. E é neste momento que um pensamento inevitável cruza sua mente: que merda eu tô fazendo?


Fala o jornalista William Waack. Diz que numa guerra é assim: ‘Você amadurece com o tempo’. A história foi contada em palestra promovida pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha. O jornalista falou de sua experiência e deixou bem claro o que pensa sobre a cobertura jornalística de conflitos armados: ‘Não é mérito para ninguém’. Profissional experiente da TV Globo, Waack disse que há três princípios que devem ser seguidos por quem quer cobrir uma guerra: ‘O primeiro é jamais fazer por vaidade, o segundo é não ir despreparado e o terceiro é ter equilíbrio emocional bastante para saber separar as coisas’.


‘Tenho nojo de quem se gaba’


Para ele, existe um paradoxo no perfil do jornalista de guerra: ‘Ao mesmo tempo em que os jovens são mais impetuosos, os veteranos têm o equilíbrio pessoal ideal para enfrentar a barra’. Ele conta que no início chegou a pirar: ‘Brincávamos na praia durante a guerra da Albânia porque sabíamos que era o único lugar seguro, uma loucura, se pensássemos em quantos estavam morrendo ao redor. Na mesma época passei por noites de insanidade mental, na qual eu e amigos jornalistas pagávamos para usar as armas de rebeldes’, conta o jornalista com os olhos marejados, um claro sinal de arrependimento.


Ele falou também do perfil desses profissionais: ‘Nesse tempo em que fui correspondente de guerra perdi três amigos… perdi porque eles se mataram. Cada um encontra força onde pode, muitos cheiram cocaína, usam prostitutas e enchem a cara de álcool’.


Por fim, repudiou a égide de celebridade que os correspondentes de televisão ganham: ‘Tenho nojo de quem se gaba de ter coberto uma guerra, não é charme nenhum. Pelo contrário, é asqueroso’. Desde o início da palestra William Waack deixou bem claro que estava ali para retribuir um favor à Cruz Vermelha: ‘Não gosto de falar da minha experiência nas guerras, mas como a Cruz Vermelha me ajudou quando fui preso no Iraque, senti que tinha uma dívida moral com eles’. Waack foi preso em 1991 durante a cobertura para a TV Globo da primeira Guerra do Golfo.

******

Estudante de Jornalismo; matéria para o 4º Curso de Informação sobre Jornalismo em Situações de Conflito Armado, promovido pelo projeto Repórter do Futuro da Oboré