Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa para os amigos

Eleições? Este tema não existe nos meios de comunicação. O que existe são denúncias (muitas vezes reais), desmentidos (muitas vezes infantis), pesquisas (que são analisadas como se fossem o 11º Mandamento). As irregularidades apontadas pelos meios de comunicação deixaram de ter valor em si mesmas: passaram a ser vistas por seus efeitos nas pesquisas. Não modificou as pesquisas, deixa de lado (e nem resposta merece). De todos os lados, os meios de comunicação abdicaram da função de cobrir as eleições. Isso ficou claro tanto para especialistas em comunicação, como Alberto Dines, como para políticos capazes de analisar friamente, sem paixões, o jogo político nacional, como o ex-governador paulista Cláudio Lembo.

E, claro, há fenômeno do ‘jogo de futebol’. O mesmo fato é bom ou mau, dependendo da tendência do veículo, do repórter ou do apresentador, conforme aconteça com um aliado ou um adversário. Um assíduo leitor desta coluna, Nelson Nisenbaum, médico na região do ABC paulista, notou um fato interessantíssimo: o mesmo âncora desancou a decisão judicial de anular uma investigação por ser baseada em escutas telefônicas ilegais (na base do ‘este país não tem jeito’, ou, em palavras mais corriqueiras, ‘a polícia prende e a Justiça solta’, essas coisas); e condenou com veemência os responsáveis por violações de sigilos fiscais. Ora, se a Justiça, na opinião do comentarista, deveria manter investigações baseadas em procedimentos ilegais, ele também deveria apoiar quem toma a iniciativa de realizar esses procedimentos ilegais. O que não pode é, tratando do mesmo tipo de acontecimento, reprová-lo numa ponta e aprová-lo na outra.

Mas é melhor deixar para lá. A coisa ficou fácil demais: mesmo que não haja ainda qualquer indício de vínculo, irregularidades cometidas pelo governo são atribuídas à candidata Dilma Rousseff e a seu patrono, o presidente Lula (algo como ‘estelionatário é primo da secretária da ex-sogra do ascensorista do prédio em que Dilma trabalhou em Porto Alegre’). A defesa também é simples: ‘factóide’, ‘desespero’, ‘daqui a pouco vão dizer que Erenice é ligada a Dilma e que Dilma é ligada a Lula’, ‘como é que o presidente vai saber se há irregularidades em seu governo?’ Cada lado, automaticamente, sabe quem é culpado pelo terrível escândalo, e quem explora fatos absolutamente normais para criar turbulências que talvez permitam a seus adversários previamente derrotados subir alguns pontinhos nas pesquisas.

Pode haver escândalos reais que não tenham repercussão nos índices das pesquisas. Isso não impede que sejam investigados (nem que, mais tarde, mesmo que muito depois das eleições, gerem efeitos). Pode haver denúncias que repercutam nas pesquisas mas que se baseiem em fatos irreais. E não é porque as eleições estão aí que devam deixar de ser investigadas e desmentidas.

Mas investigar, analisar, pesquisar? Nada disso. Dá muito trabalho. E trabalho, como sabem todos, qualquer seja seu lado, cansa.

 

O outro lado

O pior de tudo é que, como os jornalistas não se cansam, quem se cansa de verdade é o consumidor de notícias. Para que passar do lead (ou, eventualmente, até do título) se já sabe tudo o que encontrará em seguida?

 

Nós e eles

O tipo de cobertura eleitoral lembra muito o título atribuído a um jornal da então União Soviética a respeito da corrida entre um carro americano e um soviético. O americano ganhou. O título: ‘Soviéticos chegam em segundo e americanos ficam em penúltimo’.

 

Pecados capitais

Há dois pecados que um político experiente não pode cometer:

1. Acreditar na propaganda do adversário;

2. Acreditar na própria propaganda.

Ao desistir de cobrir as eleições como um evento jornalístico, em que não cabe, como em qualquer evento jornalístico, tomar partido (para isso existem os editoriais e até gente que lê e ouve editoriais), a imprensa não mostrou que o principal candidato oposicionista cometeu ambos os erros.

1. Acreditou na propaganda do adversário e tirou o ex-presidente Fernando Henrique de sua campanha, por achar que com ele ao lado perderia votos. Só que Fernando Henrique venceu Lula duas vezes, ambas no primeiro turno. E nas duas eleições que o PSDB disputou contra Lula escondendo Fernando Henrique, perdeu com dois candidatos diferentes, o próprio Serra e Geraldo Alckmin.

2. Acreditou na propaganda do adversário segundo a qual não seria possível se opor a um presidente tão popular. Ora, se não é para fazer oposição, por que candidatar-se? Teria sido melhor fazer um acordo com a candidata oficial e curtir em casa o seu sono tardio e o proverbial mau humor.

3. Acreditou na própria propaganda, de que demoliria a principal adversária no primeiro debate que tivessem. Só se esqueceu de combinar com ela.

4. Acreditou na própria propaganda, de que o povo estava ansioso por elegê-lo, tão ansioso que perdoaria seus eventuais pecados. Não se preparou, por exemplo, para acordar cedo, mesmo que tivesse compromissos importantes pela manhã; nem se preparou para entrevistas menos gentis do que as habituais. Quando teve de enfrentar sabatinas e debates de manhã, chegou mal-humorado, com sono, sempre atrasado.

A candidata situacionista cometeu menos erros, mas não ficou imune a eles (embora tenha ficado imune à cobertura da imprensa – que, conforme o caso, via nela um corpo estranho na política nacional ou a encarnação feminina do presidente Lula). Acreditou na própria propaganda ao aceitar, como manifestação da divina vontade, que a eleição está resolvida e que todas as acusações contra ela esbarrarão em sua blindagem. Pode ser; mas qualquer escudo, por mais eficiente que seja, está sempre sujeito a sucumbir diante de uma arma que o atinja com força suficiente. E pesquisa, não nos esqueçamos, é apenas pesquisa. Pode falhar. Há uma foto famosa, do presidente reeleito Harry S. Truman, mostrando aos fotógrafos a primeira página de um jornal importante, que noticiava, com base nas pesquisas, a vitória de seu adversário republicano Thomas Dewey.

 

Coisas estranhas

Aliás, as campanhas estão esquisitíssimas. O PT nacional enviou às 21h49 a informação de que o presidente do partido, José Eduardo Dutra, daria entrevista coletiva às 17h30… do mesmo dia. Há candidatos que, no meio da campanha, têm um ou dois compromissos por dia. E José Serra conseguiu a façanha de brigar com Márcia Peltier, com quem ninguém tinha brigado até hoje. Ele, no caso, acreditou que o PT tinha tudo montado para uma entrevista que o derrubaria, levantou-se indignado, disse que era para fazer de conta que nem tinha ido e que não iria fazer programa nenhum. Estava enganado, por dois motivos:

1. As perguntas que ele imaginava montadas eram absolutamente normais, e se referiam a assuntos que tinham sido levantados pelo próprio PSDB, como quebra de sigilos da família de Serra;

2. Se o PT fosse armar algo, tentaria fazê-lo numa emissora de grande audiência. Márcia Peltier é uma gracinha, boa gente, mas a CNT repercute pouco.

E, finalmente, exigir que lhe entregassem a gravação da fita do programa indicou prepotência. Se, como candidato, comporta-se assim, como fará se ganhar?

 

Nem mais é bela

O português já foi, no poema de Olavo Bilac, a ‘última flor do Lácio, inculta e bela’. Continua sendo a última flor gerada pelo latim. Inculta, com certeza. E bela, em certos casos, não dá para garantir.

Pois eis o trecho de um texto jurídico, assinado por um magistrado, formado em universidade e aprovado em concurso público:

‘(…) os recorrentes não oporam os pertinentes embargos de declaração (…)’

O pior é que, a julgar pelo que o autor do texto anda dizendo, seus professores de primário também não se ‘oporam’ à aprovação do aluno, mesmo não sabendo conjugar verbos.

 

Como…

Este colunista já acreditou, por muitos anos, que na área de futebol jamais haveria erros de informação. Quem escreve lá é porque gosta, porque acompanha, e continuaria acompanhando futebol mesmo que trabalhasse em outra coisa.

Que engano!

De um grande portal noticioso:

** ‘Lateral do Santos sofre acidente de carro e vira dúvida’

Quem sofreu o acidente, sem nenhum ferimento de gravidade (apenas dores, que talvez o tirem de um ou dois jogos), foi o lateral Pará. Na foto, quem aparece é o meia Zezinho, que não tem nada a ver com o caso, mas acontece de jogar no mesmo time.

 

…é…

Ainda na área futebolística, também num grande portal esportivo:

** ‘Willians está garantido no Fla; no Flu, Juan é dúvida’

Tudo quase perfeito: Willians deve jogar, Juan talvez não jogue. Só que os dois são do Flamengo. O Flu entrou no título sabe-se lá por quê.

 

…mesmo?

A internet nunca nos decepciona. Este também é de um portal noticioso importante:

** ‘Prefeitura faz desapropriação de cem famílias que moravam em baixo de viaduto’

Coitadas das famílias! E ainda correm o risco de sofrer imissão de posse.

 

Mundo, mundo

A jornalista norueguesa Pia Beate Pedersen é pioneira: irritada com o ambiente da rádio em que trabalhava, a NRK, demitiu-se ao vivo. ‘A notícia é: eu me demito’, disse Pia. Em seguida, falou por uns dois minutos, acusando seus colegas de rádio de pressioná-la a ponto de não conseguir comer nem respirar direito. Encerrou o discurso informando aos ouvintes que, sem o noticiário, eles não tinham perdido nada: ‘Ah, sim. Nada importante aconteceu’.

 

E eu com isso?

Nada de coisas sérias: apenas assunto para bate-papos, no intervalo do debate sobre as novelas e os comentários sobre a ladroeira em geral.

** ‘Paris Hilton explica o motivo da adoção de 20 coelhos’

** ‘Claudia Leitte muda a cor das unhas e mostra no Twitter’

** ‘Deborah Secco repete roupa em dois dias seguidos’

** ‘Dilma Rousseff torce o pé ao se exercitar em esteira’

** ‘Noivas contam até com twitteiro oficial’

** ‘Grávida, Luciana Gimenez está dividida entre dois nomes para seu filho’

** ‘Giovanna Antonelli vai ao teatro com barrigão de quase nove meses’

** ‘Ator de `O virgem´ de 40 anos diz que esfaqueou namorada por acidente’

** ‘Gretchen não vai com a cara da nova mulher da filha’

** ‘Enfermeira de 23 anos foi responsável pelo parto de Gisele Bündchen’

** ‘Messi – Goleiro gay é xodó de time do Rio Grande do Norte’

Se ele tem a altura do argentino, deve ser o menor goleiro do mundo.

 

O grande título

Uma semana boa para o colega malicioso.

De um portal de notícias, sobre o lançamento de um novo tipo de bolachinha na Austrália:

** ‘Fortões pelados dão o biscoito no meio da rua’

E o título está certinho: os garçons, que oferecem ao público o novo produto, para degustação, são modelos escolhidos entre os mais musculosos, e da cintura para baixo vestem apenas um avental, aberto atrás.

Há um caso de investigação clínica que está dando o que falar:

** ‘Médico cria método de examinar seios: lambendo’

A paciente topou. Depois, mudou de idéia e está processando o médico.

Mas não há título como o que saiu num grande jornal:

** ‘Troca-troca revela talentos ocultos’

Ocultos, claro. Mas parece que a intenção de quem deu o título era expor a vantagem da mudança de emprego.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados