Interessante reportagem na Folha de S.Paulo desta quarta-feira, dia 13/7, informa que a Argentina conta com um site de busca na internet exclusivamente dedicado a conteúdos produzidos pelo governo da presidente Cristina Kirchner e seus apoiadores.
Com a marca busKador, o “Google” do kirchnerismo segue o conceito que a imprensa e o governo argentinos chamam de “nacional e popular”, ou “nac&pop”, marca associada à vertente peronista herdada pela presidente Cristina de seu falecido marido, o ex-presidente Néstor Kirchner.
Ainda em fase experimental, o agregador já somava, nos primeiros dias de julho, 945 sites indexados. Na página de apresentação, ele se anuncia como “um buscador de notícias e idéias escritas por meios impressos, radiofônicos, televisivos e digitais dedicados com exclusividade ou que apóiam o projeto Nacional e Popular e/ou seus militantes”. Convida os usuários a colaborar propondo a indexação de novos conteúdos que têm a ver com o tema.
Trata-se de uma mídia partidária, seletiva, que apresenta apenas um ponto de vista: o do governo.
A busca pela palavra “clarín”, por exemplo, remete a 256 citações recentes sobre a longa controvérsia entre o tradicional jornal argentino e o governo Kirchner. A diferença é que todos os resultados da busca conduzem a textos de crítica ao jornal, refletindo o ponto de vista governista.
Na busca por “Kirchner” aparecem textos elogiosos, como a coleção de frases e citações do ex-presidente Néstor.
Segundo a Folha, o responsável pelo busKador é o jornalista Pedro Ylarri, que afirma não ser partidário do governo. Entrevistado pelo jornal paulista, ele declarou que a inciativa é “independente e pessoal”, sem o apoio de nenhuma empresa.
Ele diz ter tido a idéia após presenciar uma discussão entre dois amigos sobre os conflitos entre a imprensa argentina e o atual governo. Decidiu, então, criar uma mídia para expor e conhecer melhor o movimento “nacional e popular” que apóia o governo.
Ylarri admite que um buscador de notícias e outras informações exclusivamente partidárias é um veículo que facilita contatos e discussões entre os kirchneristas, mas também é uma boa opção para os que não gostam do governo ficarem sabendo como pensam os adeptos de Cristina Kirchner.
Lançado há apenas um mês, o site já se transformou, segundo a Folha de S.Paulo, em instrumento do grupo governista na batalha cultural contra a oposição e a imprensa mais crítica.
Se a moda pega…
No contexto de conflagração que marca as relações entre a imprensa tradicional da Argentina e o governo Kirchner, desde o tempo em o país era governado pelo marido da atual presidente, a iniciativa do jornalista Pedro Ylarri pode parecer um ponto de ruptura.
Inconciliáveis, os dois grupos poderiam radicalizar suas posições a partir do pensamento único: os governistas só leriam a mídia que é favorável ou simpática ao projeto nacional&popular, enquanto os oposicionistas seguiriam se informando pela imprensa tradicional contrária ao governo.
Isso poderia conduzir a um acúmulo de divergências sem retorno, perigoso para as relações democráticas. No entanto, o próprio criador do busKador sabe que os usuários da internet estão submetidos a uma infinidade de fontes de informação. Cada um decide como usar a ferramenta, e “o mau aproveitamento seria utilizá-lo como único buscador e filtro de toda realidade”, afirmou.
A organização de conteúdos favoráveis ao governo em um único endereço pode, ao contrário do que parece, acabar facilitando uma aproximação entre os pontos de vista mais radicais de um lado e de outro.
Mesmo os mais ferrenhos entre os oposicionistas haverão de dar uma olhadinha, ao menos por curiosidade, no que dizem os que apóiam Cristina Kirchner.
Afinal, há figuras respeitáveis entre eles.
E os governistas também terão a oportunidade de constatar que, na mídia favorável ao kirchnerismo, pode haver um viés exageradamente concessivo em relação às teses oficiais.
De qualquer maneira, a novidade serve como alerta para a imprensa tradicional: com os novos meios de comunicação, o monopólio da informação se desmancha mais rapidamente quanto mais homogêneo for o conteúdo oferecido.
Contra buscadores e outros meios exclusivos e partidários, a melhor alternativa ainda é uma imprensa com diversidade de opiniões e aberta ao contraditório.