A imprensa brasileira de um modo geral está mergulhada numa crise sem volta já há algum tempo. Mas na quarta-feira (15/9), essa crise se excedeu por conta das falhas crassas e vergonhosas da matéria exibida do município alagoano de Rio Largo no Jornal Nacional ‘no Ar’.
Ernesto Paglia, o repórter especial que rasga o espaço aéreo brasileiro com uma equipe de mais sete colegas há mais de 15 dias a bordo de um jato, pode até justificar-se e responder que não tem tempo para apurar nada. Mas a omissão da roubalheira por oficiais dos bombeiros de Alagoas de material doado para os flagelados das enchentes de junho passado foi mais do que uma simples omissão jornalística: foi uma traição aos milhares de doadores nacionais e internacionais, cujo resultado ele constatou de raspão: os recursos recebidos foram suficientes para a construção não de apenas 18 cidades destruídas, mas do dobro delas se as falcatruas não fossem tão escandalosas e escancaradas.
Talvez o editor-chefe do Jornal Nacional, jornalista de diploma William Bonner, não saiba nem preste atenção a isso, porém à medida em que a edição do seu jornal cresce de audiência – e já deve ter ultrapassado uma média de 30 milhões de telespectadores/dia – a responsabilidade pública dos seus editores aumenta e a observação dos ouvintes nos seus detalhes chega ao requinte de seu material ser gravado para ter reexaminada sua veracidade com cautela.
Foi o que ocorreu, por exemplo, na quarta-feira (15/9), quando, na edição do noticiário local, a TV Gazeta, afiliada da TV Globo, informou que no Jornal Nacional seria apresentada uma reportagem em seguida diretamente de Rio Largo.
Repórter pareceu espantado
A manutenção do Jornal Nacional durante mais de duas décadas, com alguns momentos em que o material transmitido bate com os interesses do grande público brasileiro, transformou seus apresentadores em ícones do jornalismo, criando-se uma mania natural de supor que eles estejam falando a verdade – e isso acontece, a maioria das vezes – até porque é da essência dessa atividade profissional a permanente busca da veracidade.
Como a prática do jornalismo nacional através de todos os veículos de comunicação ainda é uma atividade escassa e cheia de desequilíbrios, além do mais manietada pelos poderosos de plantão, o jornalismo brasileiro se ressente, ao longo dos últimos 50 anos, dos inchaços do sistema político, já que é uma atividade sobre a qual a classe política se debruça em busca não do seu fortalecimento, mas de sua autopromoção, retirando dessa atividade o conteúdo de contribuição que ela pode – e deve – dar para o desenvolvimento cultural do país.
Assim, tal não foram o espanto e a decepção quando caiu por terra a imagem de seriedade e responsabilidade do ‘JN no Ar’ quando Paglia omitiu a roubalheira de oficiais do Corpo de Bombeiros de Alagoas de material e recursos doados aos flagelados e cuja apuração está nas mãos do Ministério Público estadual. Como para compensar sua vinda meteórica a Alagoas e a inclusão de Rio Largo na pauta criada pelo impacto da campanha eleitoral presidencial, Paglia bem rapidinho pareceu espantado com o fato de ‘já terem se passado três meses das enchentes’ e nenhuma casa ter sido construída apesar das doações financeiras para tal fim.
Começo do seu réquiem jornalístico
Pergunta-se: se esse é o formato das matérias editadas no horário nobre da TV Globo, a emissora deve estar nadando em recursos financeiros para desperdiçá-los à toa, apenas para exibir a superficialidade do seu jornalismo sem resultado, usando mal um tempo que poderia servir para educar seu público? Por que não se faz uma pauta profissional antes de embarcar uma equipe num avião cujo uso não deve ser gratuito, para evitar a abordagem de temas sérios com se fosse um programa de humor negro? Que jornalistas profissionais e de diploma são esses apresentados como os do topo salarial da categoria?
O jornalista Roberto Marinho, inventor dessa Rede Globo, deve ter estrebuchado da sua catacumba no inferno, onde certamente se encontra, depois dessas presepadas com o jornalismo da sua emissora. Que abriu nessa temporada o começo do seu réquiem jornalístico.
A se julgar pelas bobagens e firulas destiladas pelo Jornal Nacional no Ar de Rio Largo, essa série perdeu uma grande chance de acrescentar um capítulo novo ao jornalismo brasileiro. Pois, ao contrário, deverá ser jogada diretamente na lata do lixo.
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Editor do site da AALONG – Associação Alagoana de Ongs e ex-repórter do Jornal do Brasil e da Folha de S.Paulo