Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A doença infantil do jornalismo

“Incompetência histórica” e “Vexame” são algumas das expressões colhidas nas primeiras páginas dos jornais brasileiros de segunda-feira (18/7), depois que a seleção de futebol do Brasil foi eliminada nas quartas de final da Copa América.

Na capa do caderno de Esportes do Globo, uma pesada ironia. “É tetra!”, grita o título, em letras garrafais, como se diz no jargão da imprensa, referindo-se à coincidência de datas – em 17 de julho de 1994, o Brasil ganhava nos Estados Unidos seu quarto título mundial – em 17 de julho de 2011, a seleção era eliminada após perder quatro pênaltis contra o Paraguai na Copa América.

Corrupção e abusos

A ironia e as pesadas críticas à incapacidade de fazer gols demonstrada pela atual geração, endeusada por seu talento, podem surpreender quem se dispõe a analisar a mídia com alguma objetividade.

Em condições normais de jornalismo independente, a imprensa sempre manteve um olho no desempenho dos craques que representam a renovação do selecionado, após o fracasso na Copa de 2010, e outro olho nas irregularidades que brotam da Confederação Brasileira de Futebol.

Os atrasos e outros problemas na construção da infraestrutura para a Copa de 2014 têm sido fiscalizados com olhar vigilante pelos jornalistas. Mas bastou a bola rolar que desaparece todo senso crítico, a imprensa esquece completamente seu papel e o jornalismo vira torcida rasgada.

Se, como disse o controverso jornalista Nelson Rodrigues, “a Seleção é a pátria de chuteiras”, pode-se afirmar que o futebol é a doença infantil do jornalismo brasileiro. Como no ensaio publicado por Vladimir Illich Lenin em 1920 – no qual criticava a esquerda alemã por tentar isolar os dirigentes partidários das massas operárias, acreditando que as massas saberiam buscar seus objetivos – também a imprensa esportiva brasileira finge que o futebol pode vencer tudo só com o talento e a torcida, apesar dos problemas com a estrutura dirigente das instituições futebolísticas.

Por trás da cobertura jornalística desenrrolam-as as disputas por poder e pelas gordas parcelas de publicidade que os anunciantes despejam na mídia – e esse é o mundo real do futebol.

Ignorar a corrupção e os abusos envolvidos na organização dos campeonatos é comportamento infantil, que se revela também nas reações iradas quando a vitória não vem.

“Imprensa muito vagabunda”

O presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, deixou claro e transparente, em entrevista publicada na edição de julho da revista piauí, que ele conserva o poder absoluto na CBF e que não tem o menor respeito pela imprensa.

“A imprensa brasileira é muito vagabunda”, declarou, com uma sinceridade e clareza raras no noticiário.

Além disso, afirmou que é ele quem manda e que, na Copa de 2014, pode fazer “a maldade mais elástica, mais impensável, mais maquiavélica: não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo”. Completou o raciocínio com uma frase que é um primor de realismo. “E sabe o que vai acontecer? Nada”, afirmou.

 Quase sobrehumano em sua prepotência, o todo-poderoso dirigente da CBF escancara uma realidade que a imprensa não tem coragem de explicitar: quem manda no futebol é ele. Se quiser, pode recusar-se a atender o interesse da Rede Globo, que condiciona os contratos de transmissão das partidas ao horário mais conveniente, após os capítulos da novela de maior audiência – causando prejuizos de milhões de reais em publicidade.

A ameaça de não fornecer credenciais para determinados jornalistas e empresas de mídia tem endereços muito conhecidos: a emissora britânica BBC, que produziu um documentário sobre a corrupção no futebol, a Rede Record, que reproduziu a reportagem, e jornalistas que costumam criticar sua gestão e seus desmandos na CBF, como o colunista Juca Kfouri.

Ao dizer que considera a imprensa brasileira “muito vagabunda”, Teixeira disse também que as denúncias não o incomodam. “Só vou ficar preocupado quando sair no Jornal Nacional”, declarou.

A entrevista à piauí foi publicada na primeira semana de julho. As repercussões se limitaram a poucas declarações de jornalistas esportivos, praticamente restritas à internet. Citada diretamente, a Globo não se manifestou.

Nos próximos dias, certamente os ruidosos analistas vão falar muito da imaturidade dos jovens craques que até ontem eram a salvação da pátria. Vão colocar em dúvida a permanência do técnico da seleção, criticar os gramados argentinos e citar muita numerologia.

E a imprensa brasileira, como um todo, estará justificando as palavras de Ricardo Teixeira.