Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando entrevistas são aulas de comunicação

Prefácio

Esta é uma verdadeira aula de Jornalismo e Comunicação em geral. Mais do que isto, o livro Jornalismo, fonte e opinião constitui-se em uma aula atualíssima, com a riqueza própria dos grandes mestres e linguagem acessível a alunos de todas as matizes. A obra reúne 22 entrevistas concedidas pelo professor doutor Sérgio Augusto Soares Mattos, entre 1989 e 2010, principalmente a veículos de comunicação, de diversas partes do país e de dimensões variadas, com a capacidade de quem tem conhecimento histórico e conhece “até” os detalhes.

Ao passar pelos tópicos mais relevantes para discutir-se comunicação, especialmente no Brasil, ele acaba discorrendo sobre os grandes problemas do Brasil e, em alguns casos, do mundo em seu conjunto, com a formação e a opinião consistentes de quem tem o que falar e, por isso, não se furta ao diálogo e ao posicionamento, quando convidado a mudar de papel e assumir a condição de entrevistado, apesar de uma longa trajetória como entrevistador. O resultado é uma bela desconstrução da própria agenda da mídia, descortinando cenários.

Nas respostas às múltiplas perguntas processadas por seus interlocutores, aborda tópicos como censura, concessões de radiodifusão, televisão, diploma para o exercício do Jornalismo, cultura global, mídia impressa e eletrônica (se é que essas duas distinções ainda podem ser estabelecidas), ofício jornalístico e ética profissional, dentre outras temáticas, dando um quadro da comunicação hoje e, em decorrência, de como funciona a sociedade contemporânea, seus produtores e consumidores, já que ambas estão imbricadas.

Entrevistas são originárias de TCCs

A entrevista tem uma importância fundamental para o jornalismo, pois é através desta técnica que o repórter persegue a reconstrução de fatos e a explicação mais plena da realidade e sua lógica, recorrendo às chamadas fontes, sujeitos que vivenciaram uma situação, são protagonistas de um dado evento ou são especialistas, pessoas aptas a falar e interpretar um fenômeno, por seu conhecimento e formação. Sérgio Mattos enquadra-se nesta última categoria e, como tal, confirma sua capacidade analítica, reafirmando o papel da entrevista.

Não obstante os arquivos (analógicos e digitais) estejam aí para pesquisa e os jornais tenham muito já se prestado para consultas e reconstituições históricas, tendencialmente a edição de ontem já é antiga. Com isso, se as ideias não se perdem, pois contribuem para conformações dos leitores do dia, praticamente não são revisitadas para releituras, confirmações ou busca de complementos. Através da presente obra, o efêmero característico das entrevistas é ultrapassado e tem-se um material para visitas mais assíduas.

Outras das entrevistas contidas neste Jornalismo, fonte e opinião são originárias de trabalhos de conclusão de curso de graduação, os TCCs. Neste caso, a dificuldade de acesso aos materiais originais seria – ou é – maior, acentuando-se a importância de serem recuperadas em livro. Isto porque, infelizmente, estes estudos, resultantes de pesquisas iniciais de jovens formandos, muitas vezes ficam perdidos em espaços das instituições de ensino superior e não são mais acessados, nem por outros alunos em condições semelhantes.

A discussão do fenômeno midiático

Em sua análise de mídia (e de mundo), exposta nas entrevistas, Mattos vai do local ao internacional com desenvoltura. Para isso, conta com sua capacidade comparativa e experiência internacional, como estudante – de doutorado e mestrado em Comunicação pela Universidade do Texas, nos Estados Unidos – e intelectual respeitado no exterior. Nesta dimensão, trata-se de uma contribuição densa, séria e esclarecedora sobre os processos comunicacionais, suas configurações e reconfigurações dos próprios modos de vida.

Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e docente aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o autor é homem de múltiplas atividades. Docente, pesquisador, orientador, jornalista e poeta, também já lançou e dirigiu veículos de comunicação. Para tantas frentes, precisa muita dedicação e boa gestão do tempo. Em outras palavras, é necessário disciplina, uma característica de Mattos revelada em uma das entrevistas, o que seus amigos e colaboradores mais próximos já sabiam – e constatavam.

Dividido em sete partes e assinalando 45 anos de jornalismo de Sérgio Mattos, completados em 2010, Jornalismo, fonte e opinião é recomendável não somente para alunos de pós-graduação e graduação em Comunicação e áreas correlatas, mas a todos os interessados, pois a linguagem acessível das entrevistas permite que mesmo não iniciados possam mergulhar na discussão do fenômeno midiático, traço que singulariza a contemporaneidade e, por isso, deve ser assumido e debatido pela totalidade social.

Leitura imprescindível

Portanto, é o caso de, invertendo-se o processo tradicional, as entrevistas agora ganharem destaque mesmo passado seu imediatismo, recebendo, com este livro, o merecido lugar nas bibliotecas, livrarias e residências. Isso é importante, além do mais, porque, em suas páginas, fica muito claro o compromisso de Sérgio com a liberdade de expressão, algo tão caro ao funcionamento das democracias e que, não raro, deixa de se manifestar, notadamente num país onde o respeito à diversidade não está verdadeiramente incorporado.

Por estes caminhos, Mattos lega uma obra que estimula a reflexão do lócus da mídia, de seus profissionais e do público, funções que hoje já não se apresentam mais tão estáticas, mas que, na cadeia de valor do negócio da comunicação, continuam pertinentes, mesmo que o consumidor seja estimulado a também produzir (para a indústria). Isso colabora para que se possa desenhar horizontes, de curto e médio prazos, de toda a complexa engrenagem que circunda este quadro, marcado por inovações tecnológicas e instabilidades socioculturais.

No Grupo de Pesquisa Cepos – Comunicação, Economia Política e Sociedade, Sérgio Mattos tem hoje uma pertinência fundamental, qualificando as investigações e os processos em geral, a partir de seu olhar atento de observador da realidade cultural do país e do mundo, trazendo, em textos, exposições e bancas, seu pensamento diferenciado acerca do fazer jornalismo, da mutação tecnológica e da atualidade do olhar histórico. Isso é o que traz a certeza de que este é mais um dos muitos livros do autor cuja leitura é imprescindível.

Pedidos: Quarteto editora, Av. ACM, 3213, Edifício Golden Plaza, sala 702 – Iguatemi – CEP 41275-000, Salvador, BA

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[Valério Cruz Brittos é professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, pela Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e vice-presidente da Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (Ulepicc-Federación)]