Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa tem sido a melhor assessora de Dilma

A imprensa independente está ajudando a presidente Dilma Rousseff a governar e a livrar-se de encrencas. Depois de alertá-la para o risco de envolver o governo federal na fusão do Pão de Açúcar e do Carrefour, chamou sua atenção para as malandragens no Ministério dos Transportes, feudo controlado nos últimos oito anos e meio pelo PR, do notório deputado Valdemar Costa Neto. As primeiras informações foram seguidas pela demissão de quatro das mais importantes figuras do Ministério e, logo depois, do ministro Alfredo Nascimento. Mas os meios de comunicação continuaram investigando e novos detalhes apareceram. Ponto importante: todos entraram no assunto e exploraram cada novidade revelada por qualquer dos jornais ou revistas, valorizando tanto o trabalho próprio quanto o dos concorrentes. Nem sempre os editores têm seguido esse padrão. Quando o seguem, ganham os leitores e o ambiente político se torna mais arejado. A imprensa tem assessorado a presidente com muito mais eficiência do que os auxiliares com função oficial no Palácio do Planalto.

Uma reportagem da Veja foi o primeiro lance dessa cobertura. Os jornais mantiveram o assunto no ar e foram atrás de novos fatos. No dia 15/7, sexta-feira, o Estado de S.Paulo apresentou em manchete mais um detalhe comprometedor: “Mulher de diretor do Dnit já ganhou R$ 18 milhões em obras”. O executivo, José Henrique Sadok de Sá, era naquele momento diretor-geral interino do departamento, subsituindo Luiz Antonio Pagot, em férias depois de ser acusado de irregularidades e ameaçado de afastamento. No mesmo dia a Folha de S.Paulo noticiou a atuação de um indicado por Valdemar Costa Neto. Sem ser sequer nomeado para qualquer função, Frederico Augusto de Oliveira, segundo a reportagem, atuava como assessor da diretoria-geral em reuniões com prefeitos e autoridades. As matérias produziram resultados imediatos.

No sábado, 16, o Estadão, a Folha e o Globo informavam as novas demissões. O Globo ainda temperou a cobertura do dia com um detalhe especial destacado na primeira página: Enquanto a presidente Dilma enfrenta o PR por causa dos escândalos nos Transportes, o ex-presidente Lula voou de Goiânia – onde participou do Congresso da UNE – para São Paulo num jato do presidente do PR em Goiás, Sandro Mabel. A cobertura continuou no domingo, 17, com informações sobre a preparação de novas demissões no Dnit, sobre o histórico do novo ministro, Paulo Passos, e sobre as falhas da política de transportes. Se não houvesse outros bons motivos para justificar essa extensa cobertura, bastaria o seguinte: as deficiências do setor de transportes são uma séria desvantagem das empresas brasileiras quando têm de enfrentar a concorrência internacional. Essas desvantagens custam muitos bilhões de reais em negócios perdidos e um número certamente muito grande de empregos. O escândalo no Ministério dá uma ideia de como o loteamento de postos e a corrupção se refletem no chamado “custo Brasil”.

Faltou informação

De modo geral, a cobertura foi bem menos eficiente no caso da tramitação e da votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um dos assuntos objetivamente mais importantes da primeira quinzena de julho. A LDO define as grandes linhas da proposta orçamentária para o ano seguinte. O Executivo deve mandar a proposta ao Congresso até o fim de agosto. O Valor acompanhou o assunto mais atentamente do que os outros jornais até a aprovação do texto pelos parlamentares. Aprovado o projeto, o Estadão deu o material mais detalhado sobre as emendas. Mas nenhum dos jornais, nesse dia, ofereceu informação suficiente para satisfazer a um leitor razoavelmente curioso. Teria sido interessante explorar mais; por exemplo, a proposta de eliminação gradual do déficit público até 2014. No sábado, 16, o Globo publicou uma suite interessante, mostrando como os aumentos de gastos previstos neste momento afetarão as contas do governo em 2012.

A crise fiscal na Europa e nos Estados Unidos tem sido noticiada com razoável eficiência. Faltou mostrar mais claramente a extensão dos problemas detectados com o teste de estresse de 90 bancos europeus. Os jornais destacaram a reprovação de oito bancos e deram pouca ou nenhuma importância aos 16 aprovados por margem muito estreita. De fato, são 24 bancos em situação precária – mais de um quarto do total analisado. Esse detalhe foi destacado pelo New York Times, em seu site, logo depois da divugação do relatório. Já na primeira linha da matéria divulgada na tarde de sexta-feira, 15, havia referência às duas dúzias de bancos necessitados de reforço de capital. O noticiário publicado no Brasil, nesse caso, foi visivelmente burocrático. Ainda no capítulo da crise, a manchete mais divertida foi publicada no Globo: “Medo de calote leva China a pedir responsabilidade aos EUA”. Dificilmente outra sacada poderia representar mais claramente a situação.

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[Rolf Kuntz é jornalista]