Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Promoção da causa gay, humilhação do mulherio

Bem que Gilberto Braga tenta disfarçar, com algumas concessões ao bom-mocismo, mas ao desfraldar suas bandeiras pró-homossexualidade deixa escorrer misoginia pelos cantos da tela no folhetim das nove, cuja autoria compartilha com Ricardo Linhares (Insensato Coração, Rede Globo, 21h).


Embora dos seis personagens gays apenas um tenha papel de destaque, diálogos como o de um deles (Nelson, interpretado por Edson Fieshi), numa cena de festa em que, acossado por uma socialite, bradou irritado algo como ‘se eu precisasse de uma boneca inflável para alavancar minha carreira estaria perdido’, dão a medida do tratamento depreciativo que os autores vêm destinando às mulheres na trama.


O mesmo personagem, capítulos depois, se mostraria possesso porque uma garota sem noção, atraída por sua ‘irresistível’ beleza, atrapalhara uma paquera sua entre iguais, num quiosque. Para arrematar, ironizou, juntamente com o garçom, igualmente gay, a ignorância de Sueli (Louise Cardoso), que não alcança o linguajar, o estilo, nem consegue identificar os membros desta comunidade aparentemente tão superior.


Sistemas intactos


Mas o andor não se limita a alardear o lifestyle homossexual, para o qual foi criado um personagem homofóbico (Cleber, de Cássio Gabus Mendes). Machos alfas e mulheres rastejantes são a tônica do enredo. Wanda (Natália do Valle) está levando fora de Raul (Antonio Fagundes) desde que a novela começou. E não se cansa de levar. Marina (Paola de Oliveira) arrastou corrente por Pedro (Eriberto Leão) até outro dia, e tudo indica que voltará a arrastar. Tanto quanto a prima dele, Irene (Fernanda Paes Leme), protótipo da mulher sem nenhum amor-próprio, tendo levado tantos passas-foras quanto Wanda.


Carol (Camila Pitanga) ofereceu-se diuturnamente ao conquistador inveterado André (Lázaro Ramos), que a dispensava repetidamente; até engravidar, quando finalmente ganhou algum orgulho, embora continue apaixonada. E mesmo Léo, o facínora da trama, já arrebatou o coração de duas personagens femininas (as de Glória Pires e de Nívea Maria).


Natalie Lamour (Déborah Secco) gritava ‘volta!’ para Cortez (Herson Capri) depois de ter apanhado na cara e ser chamada de ‘pedaço de carne com silicone’. E a mulher de Cortez, Clarice (Ana Beatriz Nogueira), terá pouco tempo para viver a rebeldia do papel de capacho completo e acabado, pois seu personagem, segundo as revistas de cabeleireiro, será assassinado.


A filha de Cortez, Paula (Tainá Muller), está vivamente interessada em Eduardo (Rodrigo Andrade), que lhe dedica uma atenção cool. A proto-cantora mas boa cozinheira Fabíola (Roberta Rodrigues) arrasta uma asa para seu empresário cafajeste, que diz amá-la, mas a repele.


Bibi (Maria Clara Gueiros), a única que aparenta se salvar neste universo de mal-amadas espezinhadas, é desejada tão somente por sua conta bancária. E a figura da mulher forte sobra para Eunice (Déborah Evelyn), completamente fútil e mau-caráter. Neste contexto, seguem intactos os sistemas matriarcal e patriarcal, origem de todas as repressões (homo)sexuais.


Mulheres misteriosas


Nada contra a defesa de um gênero oprimido. Mas os direitos GLS e a valorização da mulher não são mutuamente excludentes.


Para movimentar sua trama os autores apelam para bate-bocas e cenas de ação bem ao estilo do cinema estadunidense. Já houve seqüestro e acidente de avião, roubos e assaltos a residências, desastres de carros e motos, rebelião de presídio, assassinato, socos e tapas em profusão, várias cenas hospitalares.


Felizmente a Globo está reprisando O Clone (14h30), que, embora não seja nenhuma mil e uma noites, extrai o movimento do relacionamento interno dos personagens e desfila mulheres misteriosas e sensuais como odaliscas.

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Jornalista