Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A resposta é qualidade

Juan Luis Cebrián, fundador do jornal El País e presidente do grupo Prisa, esteve no Brasil recentemente e, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo (A16, 11/7/2011), revelou sua perplexidade diante da competição das mídias tradicionais com as novas mídias digitais e trouxe pelo menos uma informação relevante: os únicos jornais que, segundo ele, triunfaram na cobrança por informações na internet foram o Financial Times e, em certa medida, o Wall Street Journal. “Ambos são produtos muito específicos”, advertiu.

Está nesta informação – sobre o sucesso de dois jornais especializados em economia e negócios na cobrança de seus conteúdos na Web – a resposta para a maioria das dúvidas que surgem no debate sobre a sobrevivência da mídia papel. A conclusão é que existem, sim, leitores dispostos a pagar pelos conteúdos da mídia papel que lhes sejam enviados pela Web. O fato de serem “conteúdos específicos” constitui-se certamente apenas num dos aspectos do tema. Com certeza, são conteúdos de qualidade, que valem quanto pesam. Na hora em que perderem essa característica não encontrarão quem os compre. E é evidente que um dos ingredientes da qualidade é o endereçamento, ou seja, os dois jornais sabem como produzir conteúdos que sejam do interesse de seus leitores. O drama do El País, que até agora disponibiliza seus conteúdos gratuitamente na Web por entender que não haverá leitor disposto a pagar para recebê-los, é o mesmo de todos os jornais de interesse geral. Os professores da Universidade de Navarra já diziam, 20 anos atrás, que os jornais que são dirigidos a todos serão um dia jornais de ninguém.

Já vimos esse filme

Há muitos anos os leitores de jornal manifestam uma tendência comum: valorizam mídias mais segmentadas e preferem conteúdos específicos mais conectados com a sua realidade profissional ou social. Na pretensão de acompanhar essa tendência, os jornais de interesse geral seguiram o caminho do arrevistamento. Separaram seus conteúdos e, em lugar de um só jornal, com começo meio e fim, passaram a editá-los em cadernos temáticos que lembram a divisão dos conteúdos de uma revista. Ficaria mais fácil ao leitor – imaginavam os editores de 20 anos atrás – retirar o “seu caderno” em meio a edições volumosas e consumir apenas as informações de seu interesse específico.

A estratégia talvez obtivesse êxito se os tais “conteúdos específicos” fossem acompanhados de aprofundamento temático e rigor jornalístico. Foi produzido, contudo, um efeito contrário: os cadernos abandonaram temas relevantes – urbanismo, agronegócio, meio ambiente, como exemplos – e se livraram de toda e qualquer linha de especialização. Jornais de interesse geral são hoje editados com a mesma superficialidade da televisão, mídia de tal modo engessada pela escassez do tempo de produção que não consegue aprofundar as informações do dia-a-dia. Não haverá mesmo quem se mostre disposto a pagar pelos conteúdos dos jornais de interesse geral na Web, não por “esses conteúdos” disponibilizados em papel, atualmente.

O debate sobre a sobrevivência da mídia papel segue, contudo, pelos caminhos tortuosos da complexidade. Em outras palavras, os interlocutores desse debate procuram transformar o simples em complexo, o óbvio em mistério, talvez porque desejam opor dificuldades hoje para poderem vender facilidades amanhã. Já vimos esse filme tantas vezes desde que os meios digitais começaram a se impor à realidade das comunicações do planeta…

O “jornalismo empático”

A sobrevivência da mídia papel está numa meta simples, objetiva e óbvia: fazer jornalismo de qualidade. Não proponham, por favor, que devemos reinventar a roda. Podemos fazer rodas de magnésio, de aço, de alumínio, de madeira ou de borracha. Só não podemos reinventá-la. A roda e o jornalismo de qualidade são inventos que nasceram com a marca da perenidade.

Mas, afinal, o que é jornalismo de qualidade? Simples: é captar uma informação, certificar-se de sua veracidade, classificá-la por sua relevância, divulgá-la de modo destilado e com forte empatia em relação a quem irá consumi-la. Quando me perguntam se, para competir com os meios digitais, a mídia-papel deve mudar, respondo sempre: “Sim, deve mudar. Deve voltar a fazer jornalismo de qualidade.” Sou volta e meia acusado de simplificar demasiadamente as coisas, mas até agora ninguém conseguiu me convencer de que as coisas são mais complexas do que isso: a pedra de toque da sobrevivência do meio-papel está, simplesmente, no jornalismo de boa qualidade.

Ah, mas os meios digitais são fortemente interativos e, pelas redes sociais, o leitor quer ser também protagonista do processo de elaboração das informações que consome. Que ótimo!, respondo a quem me traz esse questionamento. Ficou mais fácil fazer o que pode ser chamado de “jornalismo empático”, aquele jornalismo que nasce atrelado aos interesses dos leitores, muito mais eficaz.

Jornalismo de boa qualidade

Acontece que o “exercício da empatia” deixou há muito tempo de ser feito pelos jornalistas e acredito que muitos dos novos nem sabem o que é isso. Tenho mais de 40 anos de jornalismo e nunca escrevi uma só linha, a ser divulgada, por fora do exercício da empatia, um cuidado indispensável ao se tentar produzir qualquer tipo de comunicação. Exercitar a empatia é colocar-se, mentalmente, no lugar do outro, do interlocutor, do leitor, do telespectador, do consumidor da informação que é produzida. “O que será que ele, o leitor, vai fazer com esta notícia que vou publicar, que utilidade terá para ele, que importância terá, o que será que ele gostaria de saber além das informações que consegui captar?” Quanto melhor conheço o meu leitor, mais qualidade terá a comunicação que pretendo estabelecer com ele.

Talvez seja por isso que jornais e revistas no Brasil se tornam a cada dia menos interessantes. Estão há muito tempo divorciados de seus leitores e ainda hoje não aprenderam a usar essa imensa gama de meios interativos para estar mais próximos deles, para pulsar junto com eles, receber deles avaliações e críticas. Os jornais – ou revistas – que vão sobreviver nestes tempos bicudos serão aqueles “mais empáticos” porque mais casados com os interesses de seus leitores. E fizerem, é claro, jornalismo de boa qualidade. No meu modesto entendimento, tudo o que diferir disto é mera manobra diversionista.

***

[Dirceu Martins Pio é jornalista e ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil]