Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As consequências da humilhação da News Corporation

Desde que a Companhia das Índias Orientais [East Indian Company] foi finalmente fechada, no século 19, nunca o poder político exerceu tamanha pressão sobre uma influente empresa privada na Grã-Bretanha. No dia 13 de julho, quando os membros do Parlamento aprovaram por maioria esmagadora uma moção determinando que a empresa News Corporation, de Rupert Murdoch, declinasse de sua oferta para adquirir o controle da BskyB, a principal emissora por satélite da Grã-Bretanha, a empresa desmoronou e fez exatamente o que lhe era solicitado. Paralelamente, o primeiro-ministro David Cameron anunciou a abertura de um inquérito sobre as abomináveis práticas do finado News of the World – o jornal dominical britânico de maior venda até fechar suas portas, envergonhado, no dia 10 de julho –, sobre a ética na imprensa e, mais amplamente, sobre sua regulação.

Os ventos mudaram rapidamente, e com violência, contra Rupert Murdoch. Apenas duas semanas antes, os jornais de Murdoch, que representam dois quintos da imprensa nacional britânica, davam-lhe um acesso extraordinário aos mesmos políticos que agora o condenam como uma encarnação do demônio; esse poder – e isso agora ficou claro – também ajudou seus assessores do News International, o braço impresso da News Corp, a ridicularizarem os policiais que investigavam várias denúncias de escutas clandestinas. No entanto, desde 4 de julho, quando foi feita a denúncia de que o News of the World havia grampeado o telefone de Milly Dowler, uma estudante assassinada, as coisas desintegraram. Nada do que foi feito por Murdoch – do fechamento do News of the World à desistência da aquisição da BskyB – deteve a avalanche.

Dois riscos

Em parte, a culpa é de Murdoch. Ele ainda não forçou os acusados no escândalo a se afastarem durante a investigação – principalmente Rebekah Brooks, editora do News of the World à época do caso de Milly Dowler e diretora-executiva do News International durante a cobertura denunciada [Nota do OI: Rebekah Brooks pediu demissão na sexta-feira, 15, um dia após a chegada da Economist às bancas]. Mas, além disso, o escândalo vai se aprofundando. Entre as possíveis vítimas das escutas, agora há famílias de soldados mortos em guerra, o primeiro-ministro anterior e o futuro rei da Inglaterra. Outros jornais de Rupert Murdoch também podem ter cometido falcatruas; e há suspeitas de que ainda outros jornais tenham usado métodos duvidosos. Pior ainda, a polícia também está sob suspeita – de não ter investigado o assunto por completo e, em alguns casos, de uma relação íntima de corrupção com a imprensa.

As consequências desta história sórdida irão bem longe, como deveriam ir. A lei deve ser aplicada e aqueles que a violaram, ou foram coniventes ao encobrir a infração, deveriam ser claramente punidos. O inquérito público determinado por David Cameron parece suficientemente truculento. Após ser duramente criticado por ter empregado Andy Coulson – editor do News of the World quando as escutas eram mais intensas –, presume-se que o primeiro-ministro seja mais prudente em relação a quem irá dar emprego no futuro. A influência de Rupert Murdoch irá diminuir. A imprensa, de maneira geral, ganhará padrões superiores aos que apresenta hoje, assim como a polícia. O ritmo normal de um escândalo na Grã-Bretanha, perceptível nos debates sobre gastos parlamentares, será imposto: quem errou vai para a cadeia e deverá ocorrer uma contra-reação ética proveitosa.

Portanto, a maioria das consequências será boa, mas não todas. Destacam-se dois riscos. O primeiro é de que o escândalo venha a mudar a forma da News Corporation de maneiras aquém das ideais; o outro é que poderá manietar a agressiva, bagunçada e vital imprensa britânica ao provocar uma hiper-regulação. O primeiro risco é de se lamentar, mas basicamente cabe à legislação e ao mercado; contra o segundo, deve se resistir.

Cultura predatória

Rupert Murdoch é criticado, e com razão, por incentivar uma cultura predatória e populista no jornalismo britânico (e no de outros países). Mas nem tudo foi ruim. Bastante tempo atrás, ele ajudou uma imprensa inglesa moribunda a romper com seus vínculos sindicais. Como barão da mídia que é fissurado em jornais – uma espécie que caminha rapidamente para a extinção –, ele pacientemente injetou dinheiro em títulos de “qualidade”, como o Times, de Londres, e o norte-americano Wall Street Journal. Se vendesse seus jornais britânicos para, digamos, um oligarca russo ou para Richard Desmond – o magnata que sustenta o Express e o canal pornográfico Red Hot TV –, quantos jornalistas iriam comemorar?

De momento, uma desintegração da News Corporation não parece provável. A empresa enfrenta mais acusações e desafios legais na Austrália e nos Estados Unidos e se qualquer um de seus diretores for considerado culpado de uma acusação criminosa, isso representaria enormes problemas de regulação. Mas isso pode levar anos. Será, com certeza, mais difícil para os Murdochs – que detêm uma minoria das ações da News Corp – dirigir a empresa como um feudo familiar. Mas disputas de diretoria, processos por acionistas e até a competição fratricida fazem parte do capitalismo. Que a lei siga seu rumo.

Ameaça à democracia

Existe um interesse público muito maior em ter a imprensa britânica regulamentada de maneira justa. Atualmente, os jornais respondem à Comissão de Reclamações de Imprensa [Press Complaints Commission, a PCC], um órgão autorregulatório criado pela indústria em 1991. A PCC tem o objetivo de aplicar um código de conduta de sua própria jurisprudência e de resolver queixas levadas à sua apreciação; mas suas tentativas de controlar os tabloides têm sido patéticas. Muitos críticos, não por acaso, agora querem que a Grã-Bretanha adote um controle estatutário.

Isso seria um erro. A curto prazo, os jornais possivelmente terão um comportamento melhor – e, com certeza, porque verão os violadores da lei ir para a cadeia. E também há um princípio em jogo: numa democracia, a mídia não deve ser uma concessão do Estado, principalmente uma mídia tão centralizada quanto a britânica. É fato que a imprensa se comportou muito mal; mas foi a imprensa, principalmente o Guardian, que expôs o comportamento do News of the World. Ao invés da PCC, deveria ser criado um novo órgão da imprensa, livre de dependência financeira da indústria, com um código de conduta mais rigoroso, com poderes para investigar sua obediência e penalizar erros. O ideal seria que fosse acompanhado por uma reforma da legislação britânica que rege calúnia e difamação – legislação essa que nada fez para coibir os tabloides, mas protegeu ricos e poderosos (inclusive, magnatas da imprensa) de qualquer investigação.

Empresas que violam a lei e jornalistas predatórios existem, e deveriam ser punidos. Porém, assim como ocorreu com a Companhia das Índias Orientais [East Indian Company], o verdadeiro abuso de poder – e a verdadeira ameaça à democracia – acontece quando interesses comerciais se entrelaçam com o Estado. Uma imprensa barulhenta – e não importa se é impopular neste momento – é a melhor proteção contra isso.