O ato de selvageria explícita praticado pelo senador paranaense Roberto Requião (PMDB) ao arrebatar o gravador do repórter Victor Boyadjian ante a incômoda, mas não abusiva, pergunta a respeito de sua injusta e privilegiada aposentadoria de ex-governador do Paraná, que se soma ao nababesco subsídio de senador, poderia, da ótica de um juiz natural, o de primeira instância, ou de um policial, ser considerado, no mínimo, apropriação indébita – crime de ação penal pública incondicionada, i.e., que não requer representação da vítima.
A ação grotesca de Requião, no entanto, será considerada mera brincadeira infantil, feita por autor inimputável, em consequência de sua imerecida imunidade-impunidade parlamentar. Uma pisoteada na Constituição, que tem como cláusula pétrea o livre exercício do jornalismo. Partindo para a auto-vitimização, Requião cai no ridículo de se dizer vítima de bullying (intimidação) público, fazendo pouco da inteligência do público pagante, com impostos e votos, deste deplorável espetáculo de inadequação ao exercício de cargo parlamentar.
Requião considera “simples” o fato de haver ganhado uma eleição, o que deveria ser tido como uma honra, a literal materialização da expressão “voto de confiança” em alguém. Mas o que é a confiança, se não a expectativa de que o seu depositário irá agir como agiu no passado? Confiança se ganha, confiança se perde. O destemperado parlamentar tenta justificar a manutenção de sua pensão vitalícia de ex-governador como um meio de pagar pelos desmandos de ex-governadores “ladrões”, grupo dos quais obviamente se exclui. Arrogando-se em editor, publicou ao seu gosto a sua versão do trabalho do repórter em seu blog.
O consumo da desmoralização
Se alguém ainda tinha alguma ingênua, vã esperança em ver melhorar a imagem do Senado, acaba de perdê-la com esse episódio.
Roberto Requião receberá pelo resto da vida R$24.117,62, de tempos em tempos corrigidos pela inflação, quando atendentes do INSS dizem informalmente que 70% dos brasileiros se aposenta com salário mínimo, cerca de 30% com entre R$1.000,00 e R$2.000,00, e somente uma parcela ínfima, residual, atinge o parco limite máximo de R$3.689,66. Vinte e quatro milhões de aposentados do setor privado custam à Previdência pouco menos que os R$ 51 bilhões pagos aos 950 mil servidores públicos, que ganham, no Executivo, cerca de doze vezes mais, e no Judiciário e no Legislativo, trinta vezes mais os que seus patrocinadores involuntários.
Então, ao contrário do que afirma Requião, não é a imprensa que faz bullying com os parlamentares; são estes que o fazem dia sim, outro também, com a sociedade que deveria, mas não é, adequadamente representada por eles no Congresso Nacional. Ao declarar “Que fique claro que apenas me apossei do gravador para evitar a edição, uma edição de desmoralização de um parlamentar sério”, Requião consumou a própria desmoralização. Aliás, não só a sua, como ampliou a do Senado.
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Jornalista