Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A parcialidade das opiniões

Existe uma tendência, desde o surgimento dos grandes conglomerados de mídia, de acusar a imprensa de parcialidade e manipulação da informação. Durante muito tempo – enquanto veículos unilaterais, onde poucos falavam para muitos e esses poucos para falar tinham que possuir ou estar dentro de meios técnicos e caros para isso (como emissoras de rádio e TV ou jornais) – isso fazia mais sentido. Hoje, com a possibilidade de usar veículos de comunicação para opinar ou narrar determinados assuntos, muitos passaram a poder falar para muitos. O alcance da rede ainda é limitado se comparado à TV, e por isso uso o termo “muitos” ao invés de “todos”, mas ainda assim o cenário mudou bastante – indo do “poucos para muitos” para o “muitos para muitos”.

Com essa evolução, os envolvidos em um fato têm maior possibilidade de dar sua versão sem precisar esperar o famoso “direito de resposta” – nem sempre justo. É nesse cenário que fica claro a imparcialidade (natural, é não manipulação deliberada) da maior parte dos que têm poder de emitir discursos por qualquer meio de comunicação de acordo com seus interesses, preferências e vivências individuais.

Entendo que qualquer discurso é interessado e que falar em objetividade (narrar um fato de forma imparcial) é perigoso, ou no mínimo ingênuo. Na tentativa de trazer aqui uma versão possível sobre o acontecimento de ontem (27/4) envolvendo o senador Roberto Requião (PMDB-PR), tentarei mostrar a diferença das narrativas contadas pela mídia e pelo senador. No entanto, não vou cometer a irresponsabilidade de dizer que farei isso sem nenhuma preferência. Sou jornalista e tenho o meu lado, que não é com nenhum patrão ou empresa, mas sim, com alguns princípios da profissão – em especial o da liberdade.

A gravação na íntegra

Não vou me estender contando o fato, mas sim, resumir como o contaram. No dia seguinte ao fato, logo pela manhã, tive o primeiro contato com o acontecimento ao ver o nome de Requião no TT’s do twitter. Em seguida, vi a reportagem feita pelo Bom dia Brasil, li matéria na versão online do Estadão, acompanhei um pouco da repercussão no Twitter, em especial os postsdo próprio senador Requiãoe por fim migrei para o site do senador.

O interessante de fazer este percurso é ver como cada um conta a história de acordo com o meio técnico em questão. Os critérios de escolha do que e como falar são altamente interessados e isso se justifica por um motivo simples – qualquer espaço na mídia é um espaço de poder, pois, na pior das hipóteses, uma pequena parcela dos leitores/ouvintes irá acreditar no que foi dito – independente da veracidade ou da omissão/parcialidade que o indivíduo teve ao narrar os fatos.

A cada novo veículo, uma nova descoberta. Na Rede Globo, a matéria foi curta. Mostrou o lado do repórter que teve o gravador tomado pelo senador ao fazer uma pergunta que o incomodou, contou que o senador ameaçou bater no repórter e depois mostrou curtas palavras do filho de Requião defendendo o pai do repórter “inconveniente”. No Estadão, uma narrativa mais completa, contando tudo o que foi dito pela Globo e acrescentando um fato importante: Requião postou em seu site a gravação na íntegra, apagou o conteúdo e horas depois mandou seu filho devolver o gravador ao repórter.

Duvidar e procurar outras fontes

No Twitter, Requião se vangloriou de sua atitude e, por ter postado o áudio em seu site, ignorou o fato de: 1 – ter tomado à força o gravador de um repórter, que tem direito de perguntar o que quiser ao senador, já que se trata de pessoa pública, representante e funcionário do povo; 2 – ter apagado conteúdo de reportagem feita pelo jornalista e 3 – ter ameaçado bater no repórter (o que não seria novidade). Após cometer os atos narrados acima ainda postou no Twitter a seguinte frase: “Alguns twitters, reflexo da má imprensa, bem que mereceriam bofetada. Sou civilizado. Quero apenas aprovar direito de resposta”.

A repercussão no Twitter mostra opiniões diversas sobre o tema, que vão da defesa da liberdade do repórter ao apoio ao senador – um verdadeiro exemplo de homem justo – por ter postado o áudio da entrevista em seu site. As diferentes opiniões e o espaço (maior ou menor) concedidos a elas nos meios de comunicação (redes sociais também são meios de comunicação) mostram a parcialidade do discurso, seja de pessoa física ou jurídica, que varia de acordo com preferências subjetivas de cada um e, claro, do local onde a pessoa se informou sobre o assunto.

Os meios de comunicação não são imparciais, nem as pessoas. Infelizmente, isso é algo muito difícil de se cobrar, apesar de necessário em alguns casos. A solução para não cair em armadilhas, é duvidar e procurar sempre outras fontes para uma análise comparativa antes de fazer julgamentos ou tirar conclusões.

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Jornalista e mestrando em Comunicação, São Paulo