A imprensa demorou a chegar em São Paulo. Enquanto outras províncias dispunham de tipografia e imprimiam periódicos, o primeiro jornal paulista teve que ser escrito a mão, por falta de um prelo.
Se São Paulo só conheceu sua primeira tipografia com um grande atraso não foi por falta de empenho dos paulistas, que fizeram repetidos pedidos à corte. Assim que foi decretada a liberdade de imprensa, em 1821, e começaram a funcionar no Rio as primeiras tipografias particulares, São Paulo tentou conseguir com o governo central um prelo e tipos para impressão. A ata da oitava sessão do governo provisório paulista, realizada em 11 de junho de 1821, determinou: “Que se escreva aos Deputados, que se acham no Rio, para que examinem, se a imprensa, que se quer vender, está em termos de comprar-se ou se as letras (tipos) já estão gastas de mais e se estiver capaz de servir, que a ajustem e comprem, ajustando ao mesmo tempo um compositor e um impressor e comprando o papel necessário e tudo isto com a maior brevidade”. Não há notícias posteriores sobre esta recomendação, mas não foram comprados nem a imprensa nem os tipos.
Em janeiro de 1823, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, ministro da Fazenda, irmão de José Bonifácio, expediu uma portaria ordenando à junta diretora da Typographia Nacional o encaixotamento de um dos seus antigos prelos e os tipos necessários para serem enviados a São Paulo. Foi também determinada a contratação de dois “hábeis oficiais”, um de composição e outro de impressão.
A junta diretora separou e encaixotou um velho prelo de ferro fundido Stanhope, que era “o que de melhor e mais perfeito existisse no Brasil se não estivesse estragadíssimo pelo uso”. Realmente, esse prelo Stanhope, inglês, que tinha chegado ao Brasil com a família real em 1808, estava muito gasto. A junta escreveu em sua resposta que, existindo em São Paulo uma fundição de ferro (instalada em São João de Ipanema, na atual Sorocaba), o prelo poderia servir de modelo para suprir a Imprensa Nacional de novos prelos metálicos, em substituição dos equipamentos de madeira ali existentes, “já muito deteriorados”. Também foram contratados dois “artistas”, que deveriam montar e dirigir a tipografia.
Preparada a remessa da tipografia para São Paulo e assinado o contrato com o pessoal, chegou em 23 de fevereiro o ofício com a aprovação do governo, determinando que tudo estivesse pronto à espera do “aviso” de embarque. O “aviso” nunca seria expedido. A remessa foi anulada por Mariano José Pereira da Fonseca, futuro marquês de Maricá, que sucedeu a Martim Francisco na pasta da Fazenda.
Dádiva real
Em agosto de 1824, o primeiro presidente da província de São Paulo, Lucas Antônio Monteiro de Barros, lembrou ao imperador, por intermédio da Secretaria da Fazenda, da “necessidade que havia de uma oficina Tipográfica nesta Província, que é talvez a única que não tem em sua”, e pediu que “mandasse enviar quanto antes uma Imprensa, que já estava destinada e pronta para esta dita Capital, e bem assim um Impressor para a estabelecer e dirigir, e que no caso de não poder vir gratuita, conferisse ao menos licença para a sua ereção a custa dos particulares, que não duvidavam subscrever para tão importante fim”.
D. Pedro I despachou: “Ao ministro da Fazenda que remeta a tipografia, quanto ao impressor, pergunte-se à Junta se tem quem vá”. No entanto, o ministro, Pereira da Fonseca, que já tinha impedido o envio do prelo que seu antecessor Martim Francisco destinara para São Paulo, deu uma ordem verbal revogando a remessa e determinou que a tipografia fosse usada no Rio para imprimir os trabalhos da Assembleia Legislativa Constituinte.
Somente em 1827, seis anos após a primeira tentativa e 19 anos depois da instalação da Impressão Régia no Rio, São Paulo teria sua primeira tipografia. Ao contrário do que disse Monteiro de Barros, não era a única província que não tinha a sua, mas foi a nona a receber uma, além da corte – depois da Bahia (1811), Pernambuco (1816), Minas Gerais (1822), Pará (1820), Maranhão (1821), Ceará (1824), Paraíba (1826), Rio Grande do Sul (1827).
Os historiadores da imprensa paulista mencionam, indignados e com profusão de detalhes, os esforços frustrados da província para conseguir uma tipografia do governo imperial. Mas não há informações sobre eventuais tentativas feitas nesse período, por particulares ou pelo governo local, para instalar um prelo com seus próprios recursos, como fizeram as outras províncias, que as compraram no exterior. Somente quando São Paulo deixou de esperar pela dádiva real e, sem depender da boa vontade da corte, decidiu adquirir um prelo, foi publicado o primeiro jornal impresso.
O Paulista
Em São Paulo, o jornalismo chegou antes que a tipografia. Ante a falta de tipos para compor e prelos para imprimir, Antônio Mariano de Azevedo Marques, “o Mestrinho”, professor de latim e de retórica, decidiu, em setembro de 1823, fazer um periódico escrito a mão, O Paulista. Queria comunicar e disseminar as ideias úteis e as luzes tão necessárias num país livre, e oferecia o jornal para toda e qualquer causa pública, com a condição de que fosse assinada, para salvar-se toda vez que fosse demandado judicialmente. O jornal manuscrito deveria circular duas vezes por semana. O objetivo era conseguir 40 assinaturas, ao preço de 300 réis mensais. Segundo o prospecto de lançamento, “como não é possível dar a cada subscritor uma folha, será distribuída a cada cinco subscritores uma folha”, formando-se oito grupos de cinco assinantes cada um. O amanuense, que escrevia com pena o texto em papel comum, tinha que fazer oito cópias de cada edição, recebendo 140 réis por cópia. A experiência durou pouco tempo.
O Farol Paulistano
A primeira tipografia paulista foi montada em 1827 com um velho prelo de madeira comprado no Rio de Janeiro pelo baiano Joseph da Costa Carvalho, ex- membro da Assembleia Constituinte pela Bahia e deputado por São Paulo. Tinha sido nomeado juiz de fora da cidade e casara com a viúva do brigadeiro Luís Antônio, a mulher mais rica da província. No futuro, seria senador, ministro, regente do império e presidente da província.
A instalação da tipografia coincidiu com a inauguração, nesse mesmo ano, dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, simultaneamente em São Paulo e Olinda. O curso atraiu estudantes de todo o país e deu à pacata cidade provinciana, com menos de 20 mil habitantes, notoriedade e um ar intelectual de que antes carecia. Da Faculdade de Direito sairiam leitores e, sobretudo, alguns dos mais importantes colaboradores dos jornais paulistas.
A tipografia estampou O Farol Paulistano, o primeiro jornal impresso de São Paulo. Tinha quatro páginas, como todos os jornais da época, formato 21 x 31 e custava 80 réis. A instalação gráfica era precária, com recursos limitados, poucos tipos e já muito gastos, falta de letras e escassez de pessoal treinado. Ficava na residência de Azevedo Marques, “o Mestrinho”, que fora redator de O Paulista, o jornal manuscrito. O Farol foi composto e impresso, nos primeiros meses, pelo espanhol José María Roa.
No lançamento, no dia 7 de fevereiro, O Farol reconheceu suas deficiências: “Por ora sairá esta folha às quartas feiras… mas logo que tenhamos novos tipos e quem ajude ao compositor que é único e não pode acudir a todo o trabalho, daremos-la duas vezes por semana”. A qualidade das primeiras edições foi realmente precária, com muitos erros de revisão e frases com palavras faltando. Os redatores, além de escrever, tinham que ajudar na composição. Em abril, quando deve ter chegado novo material e conseguiu-se pessoal treinado, O Farol passa a circular duas vezes por semana, às quartas-feiras e sábados.
O Farolera uma folha liberal que defendia a monarquia constitucional. Segundo Affonso A. de Freitas, foi um dos maiores paladinos da reação liberal à política de desmandos e do absolutismo de d. Pedro I. Essa postura independente custou-lhe um processo, presidido pelo ouvidor Cândido Ladislau Japi-Assu. Foi a primeira ação na Justiça contra um jornal de São Paulo por abuso da liberdade de imprensa. O Farol tinha mencionado a candidatura a deputado do secretário do governo da província e este ficou irritado. O jornal foi inocentado. Novo processo foi aberto pelo ministro da Fazenda. Durante o período da Regência Trina, que governou o país depois da abdicação de d. Pedro I ao trono, em 1831, O Farol deu apoio a Costa Carvalho, seu fundador e um dos três regentes, e depois a Feijó, como regente único.
Escreveram no Farol, além de Costa Carvalho, proprietário e redator principal, Azevedo Marques, “o Mestrinho”; Antonio Manuel de Campos Mello, que substituía Costa Carvalho em suas ausências na corte (e este lhe recomendava do Rio: “senhor Mellinho, não se descuide de deitar azeite em nosso Farol”); Libero Badaró, que depois lançaria seu próprio jornal; Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, que, como senador, seria inimigo político de Costa Carvalho no período da Regência; e Manuel Odorico Mendes. Deste último, tradutor de Homero e Virgílio, afirma-se que, estando em São Paulo nas férias parlamentares, como hóspede de Costa Carvalho, precisou ir até a tipografia do jornal para ajudar na impressão, pois não havia tipógrafos. O Farol circulou até 1833. O liberal Costa Carvalho se tornou conservador e recebeu o título de marquês de Monte Alegre. Os historiadores divergem sobre a grafia do título. Freitas Nobre afirma que o marquês assinava Mont’alegre, Affonso A. de Freitas escreve Monte-Alegre e Estevam Leão Bourroul assegura: “É Montalegre e não Monte-Alegre nem Mont’Alegre: temos à vista a assinatura autógrafa”.
Contra o bispo
A presença de uma tipografia em São Paulo incentivou o surgimento de outros jornais. Nas oficinas do Farol foram impressos O Justiceiro e O Observador Constitucional. Em 1834, começou a circular O Novo Farol Paulistano, duas vezes por semana, depois semanalmente, mas sem relação com o antigo O Farol. Diferentemente dele, tinha caráter semioficial e defendia o Partido Conservador. Fundado por José Manuel da Fonseca e João da Silva Carrão, publicava os atos do governo, até o surgimento de O Paulista Official.
O Solitáriofoi um jornal liberal, lançado em maio de 1840 para combater o bispo diocesano Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, que tinha sido inimigo de Libero Badaró e um dos alvos do seu jornal O Observador Constitucional. Chamava o bispo de “galego sem vergonha”. Fazia oposição também ao presidente da província de São Paulo. Seu fundador e redator era Antonio Manuel de Campos Mello, que tinha trabalhado no Farol Paulistano. O jornal desapareceu quando o brigadeiro Tobias governou a província.
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Jornalista, autor de Os Melhores Jornais do Mundo