O escândalo dos grampos telefônicos do jornal londrino News of the World desnuda o submundo do jornalismo sujo e antiético praticado por grandes conglomerados midiáticos e suas ligações com políticos e funcionários dos órgãos de segurança.
Desta vez, pegaram Rupert Murdoch, o imperador do reino das comunicações. Dono de empresas jornalísticas tão poderosas que governantes, políticos, esportistas e celebridades rendem (ou rendiam) homenagens a ele, não por suas virtudes morais, mas pelo temor de que ele usasse a força de seus jornais e TVs para chantagear e divulgar informações pessoais de suas vítimas. Como fez com o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown, cujo filho sofre de fibrose cística, uma informação que a família mantinha em segredo para protegê-lo da curiosidade pública e que foi covardemente divulgada pelo jornal de Murdoch graças a uma escuta clandestina.
Os repórteres do tabloide sensacionalista News of the World iam às últimas consequências para conseguirem seu objetivo. Compravam detetives oficiais e particulares, tinham cúmplices dentro da Scotland Yard – que, aliás, fica muito mal no episódio porque há muitos anos dormem nas gavetas da repartição denúncias de ilegalidades praticadas pelo jornal de Murdoch que nunca foram seriamente investigadas.
O escândalo só estourou há alguns dias porque o elitista jornal britânico The Guardian denunciou a história da menina Milly Dowler, sequestrada e assassinada em 2002, cujo correio de voz em seu celular foi grampeado por um investigador a serviço do jornal de Murdoch na busca por gravações que pudessem chocar os leitores. Como a caixa postal do celular de Milly estava lotada, deletaram gravações antigas, prejudicando assim as investigações policiais.
Prejuízos empresariais
A estratégia suja e antiética de conseguir notícias exclusivas pode ferir gravemente a estabilidade do grupo empresarial do magnata Rupert Murdoch. Aos 80 anos, o velhinho está em plena forma física. Os que o conhecem dizem que ele adora esse tipo de jornalismo, que espeta, incomoda e humilha suas vítimas e faz com que ele seja mais temido. Na Grã-Bretanha, agora, ele está mais sujo que pau de galinheiro. Parece que chegou a hora da caça se voltar contra o caçador. O Parlamento britânico já criou um comitê de investigação que está convocando jornalistas e executivos do jornal News of the World para prestarem depoimento. Dois dos principais executivos das empresas de Murdoch pediram demissão, uma nítida tentativa de oferecer a cabeça de um ou dois em troca do abafamento da crise.
Empresarialmente, o escândalo foi um desastre para Murdoch. Além de perder o News of the World, o lucrativo tabloide dominical que vivia do sensacionalismo barato das escutas telefônicas, o governo britânico aprovou a decisão do Parlamento de bloquear uma importante negociação de Murdoch. Por 12 bilhões de dólares, ele assumiria o controle total da principal emissora por satélite da Grã-Bretanha, a BSkyB, que possui 10 milhões de assinantes.
Mas o inferno astral do velho Murdoch está apenas começando. Há fundadas suspeitas de que o jornalismo sujo praticado por suas empresas em Londres tenha contaminado suas mídias nos Estados Unidos. Já se sabe que os celulares de familiares de vítimas dos atentados de 11 de setembro de 2001 foram violados. E alguns parlamentares querem saber se os jornais e a TV de Murdoch nos EUA usavam os mesmos recursos ilícitos para conseguir informações inéditas ou secretas que pudessem usar contra seus adversários políticos.
A concentração da mídia
O senador Jay Rockfeller, democrata de West Virginia, pediu rigorosa investigação em todas as empresas de Murdoch nos EUA, onde ele é dono do Wall Street Journal, do New York Post e da poderosa Fox News, canal de TV assumidamente direitista, republicano e crítico contundente do Partido Democrata e do presidente Obama. O escândalo dos grampos telefônicos está nas manchetes dos jornais do mundo inteiro, mas a Fox News não dá uma linha sobre o episódio.
A conclusão que podemos tirar de tanta baixeza praticada em nome do jornalismo é que devemos estar atentos aos grupos midiáticos brasileiros. Quanto maiores, mais poderosos. Quanto mais poderosos, mais temidos pelos governantes. A concentração de grandes empresas de mídia nas mãos de poucas e suspeitas personalidades coloca em risco a saúde do bom jornalismo. É isso que devemos denunciar e é contra isso que devemos lutar.
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[Eliakim Araujo é jornalista e vive na Flórida, onde possui uma produtora de vídeos jornalísticos e institucionais]
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