Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A internet filtrada

Uma moça que conheço vai se casar em outubro. Por essa razão, ela vem fazendo na web buscas relacionadas a casamento. De repente, toda vez que ela vai online, é bombardeada com anúncios de empresas que confeccionam vestidos de noiva, imprimem convites, montam tendas para eventos ao ar livre, fornecem comida para eventos, oferecem música, iluminação e assim por diante.

Sempre que eu vou para meu site favorito, nytimes.com, oferecem algo chamado “Recomendado a Você” – dez artigos que correspondem ao trabalho silencioso de traçar um perfil dos meus gostos que minhas buscas embutiram em algum algoritmo. Hoje, no topo da lista, encontro “Otto Von Hapsburg, candidato a monarca, morre aos 98”, seguido por artigos sobre uma estátua de Reagan que será inaugurada em Londres, carros elétricos que suscitam pouco interesse na China e a crise financeira grega. Reconheço que a seleção não é péssima, embora a dinastia dos Hapsburgos e os candidatos a monarcas nunca tenham feito parte dos meus interesses. Não me recordo da última vez em que pensei nos Hapsburgos.

A lista parece errática, um pouco como a tecnologia de reconhecimento de voz que às vezes funciona. Mas esse tipo de equívoco não é o que mais irrita. O que incomoda é a ideia de que algum algoritmo esteja dizendo o que devo ler. Não quero ser direcionado. Deixe que eu mesmo viva minha vida! Mande apenas a “Lista de artigos mais enviados por e-mail”, que reflete os assuntos que interessam à maioria – como cachorros, amor, comida, gatos, sexo, a Toscana e problemas conjugais, pelo que vejo.

Efeitos da individualização

Como tudo isso sugere, a internet, com o Google no centro dela, converteu-se no maior sistema que já existiu para traçar perfis de seres humanos. Podemos imaginar que uma busca no Google seja neutra – a mesma coisa para todo o mundo, assim como, no passado, todo mundo encontrava as mesmas referências numa enciclopédia –, mas na realidade ela é cada vez mais individualizada. Filiações políticas, opiniões sobre as mudanças climáticas, riqueza relativa, disposição de assistir ao conservador Fox News, preconceitos aleatórios – tudo isso será levado em conta no modo como os resultados de nossas buscas são apresentados.

O que eu encontro e o que você encontra quando fazemos uma busca por “Sarah Palin”, por exemplo, não é a mesma coisa. Cada vez mais, somos mantidos em nossa zona de conforto político. Raramente, somos desafiados por informação surpreendente. Como escreveu Sue Halpern em um artigo no New York Review of Books intitulado “O controle da mente e a internet”, uma das “muitas consequências insidiosas da individualização é que, ao adaptar a informação que você recebe à percepção que o algoritmo tem de quem você é, o Google direciona você para materiais que tenham a maior probabilidade de reforçar sua visão de mundo”. Halpern estava resenhando um livro intitulado The Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You (a bolha do filtro: o que a internet está escondendo de você), de Eli Pariser. O livro sugere que uma busca por provas das mudanças climáticas trará um resultado para um ativista ambiental e outro para um executivo do setor petrolífero.

Debate obstruído

As consequências desse fornecimento de informações que correspondem à ideologia de quem faz a busca me parecem devastadoras para o debate construtivo que está ao cerne de qualquer democracia saudável. Não surpreende que o bipartidarismo (um esforço para encontrar pontos de convergência de visões entre seguidores de dois partidos opostos) tenha se tornado a commodity mais rara que se encontra em Washington. Halpern cita um estudo publicado na Sociological Quarterly que analisa atitudes em relação ao aquecimento global entre republicanos e democratas entre 2001 e 2010. O estudo constatou que, enquanto crescia o consenso científico em relação às mudanças climáticas, “a porcentagem de republicanos para os quais o planeta estaria começando a se aquecer caiu de 49% para 29%. No caso dos democratas, ela subiu de 60% para 70%”.

Republicanos e democratas estavam recebendo mensagens diferentes. O debate estava obstruído. Nenhuma política energética coerente emergiu nos EUA. Outros países avançaram muito na área das tecnologias verdes.

Posso sorrir com os Hapsburgos. Mas a individualização da informação é perigosa. Invertam o algoritmo: enviem a todas as pessoas as perspectivas que mais as desafiem.

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[Roger Cohen éjornalistado New York Times]