Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O escândalo virou rotina

A imprensa precisa rapidamente encontrar um termo que substitua a palavra escândalo no noticiário. Especialmente para os escândalos que ocorrem no Brasil. Pela simples razão que faz muito, muito tempo, que não temos mais escândalos neste país. Escândalo é aquilo que nos surpreende, nos deixa perplexos; aquilo tudo que, obviamente, nos escandaliza. Mas há muito já não temos escândalos. Temos rotina. Rotina de compadrios espúrios, rotina de desvios de verbas, rotina de financiamento ilegal de campanha, rotina de nomeações suspeitas, rotina de propinas para todo lado, rotina de corrupção passiva, rotina de enriquecimento ilícito… rotinas.

Tantas têm sido as vezes que o noticiário nos traz escândalos que a coisa já perdeu o sentido e a graça. Todos nós, brasileiros, intuitivamente “sabemos” que há alguma tramoia cabeluda acontecendo neste exato momento no Palácio do Planalto, na Câmara dos Deputados, no Senado, nos Ministérios da Saúde, da Educação e demais, na prefeitura da nossa cidade, da delegacia do bairro. Por isso não nos escandalizamos mais.

E são tantos os tais escândalos que não raro dividem a primeira página de uma mesma edição. “Você viu o escândalo de hoje?” “Qual, o do meio-dia ou o das quatro e meia?” Escândalo não temos mais, eis a verdade.

Quem tem escândalo é a Inglaterra, onde figurões do governo e da polícia caem por terem sido, senão coniventes, ao menos indiferentes com a sujeirada que o Murdoch aprontou. Quem tem escândalo são os Estados Unidos, quando um presidente mente ao Congresso dizendo que a estagiária havia saído “pura & intacta” da Casa Branca. Enfim, escândalo é luxo. É extravagância de país desenvolvido, daquele tipo de país que tem instituições sólidas.

Um apelo aos jornalistas

Dá para imaginar um juiz da Suprema Corte norte-americana farreando numa ilha do Mediterrâneo, custeado por um advogado qualquer? Lá, não dá. Aqui, ora, aqui fica tudo como dantes no quartel de Abrantes. Urge, portanto, que os jornalistas substituam o termo, tamanho seu desgaste. Sugiro até que se façam enquetes nos jornais online: “Clique aqui e escolha a palavra que melhor define aquela ocorrência cotidiana a que nossos avós chamavam escândalo”.

Ou que se criem bolsas de apostas: “Você adivinha de que área do governo virá o próximo escândalo? Clique aqui e aposte!” Ou, então, que se reescrevam os verbetes dos dicionários: “Escândalo. s.m. 1. Fato, situação ou acontecimento que causa perplexidade, indignação e censura públicas por serem contrários às convenções morais, éticas, sociais, religiosas etc. (Aulete) 2. No Brasil, ações rotineiras dos três poderes e nas três esferas de governo”. “Escandalizado. adj. 1. Aquele que se escandalizou, ofendido, chocado. 2. No Brasil, indiferente, entediado.”

Fica aqui, portanto, meu apelo aos jornalistas. Ajudem a encontrarmos uma expressão que nos devolva a possibilidade de nos indignarmos, que nos faça recuperar a capacidade de estupefação, que nos permita reacender o orgulho pátrio e dizer vigorosamente basta!

Porque será um escândalo se continuarmos assim.

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[Zeca Martins é editor, Águas de São Pedro, SP]