Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A TV a cabo em pauta

O anacronismo da regulamentação das comunicações no Brasil é de conhecimento público. Na radiodifusão (televisão e rádio abertas), isso é mais nítido, tendo em vista a ausência de contrapartidas impostas ao uso do espectro eletromagnético, utilizado a partir de lógicas eminentemente privadas com os resultados sabidos, em termos de concentração e falta de diversidade. Não obstante, a TV por assinatura também tem uma legislação incompatível com as necessidades do país e incoerente, como nas diferenças de exigências para operação de cabo, satélite e microondas, sendo muito maiores no caso da primeira tecnologia, com (corretas) obrigações de transmissão de canais específicos e abertura de espaços para iniciativas sociais, além de restrições (parciais) para o capital estrangeiro.

Nesse quadro de atraso a ser corrigido é que devem ser interpretadas as resoluções da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para o sistema de outorgas e regulação do mercado de TV a cabo. Anunciadas oficialmente em 4 de junho deste ano, visando à substituição da já ultrapassada Lei do Cabo, de 1995, devem impactar um setor há 10 anos fechado para novas empresas e concentrado. Entretanto, estas resoluções normatizam um tema que já vinha sendo debatido anteriormente pelo Congresso Nacional, através do Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 116, de 2010. A Anatel parece ter reunido propostas já existentes que sofrem com o rumo das negociações políticas, cuja lentidão dificulta a votação.

Aguardando debate

Contudo, as resoluções da Anatel e o PLC 116 não são iguais. Lançado em 2010 como sucedâneo doPLC 29, o PLC 116 objetiva a abertura do mercado de televisão a cabo para qualquer companhia interessada. A mudança de maior impacto é a autorização para empresas de telecomunicações, independentemente de sua composição acionária, poderem comprar outorgas e participar como prestadoras de serviços de TV a cabo para o consumidor final. Todavia, a Anatel não incluiu na sua proposta a remoção da restrição para empresas que possuem mais de 49% de capital estrangeiro de entrar no mercado, beneficiando diretamente a Oi, única das teles enquadrada nas regras propostas, o que pode levar as demais empresas de telecomunicações (leia-se Telefônica e Embratel) a adotar medidas judiciais contra a empresa brasileira e contra as próprias medidas da Anatel, atrasando o processo de alteração.

A decisão da agência de tomar a frente na abertura do mercado de TV a cabo deve ser analisada com cuidado. De um lado, o Brasil não pode ficar indefinidamente aguardando uma decisão congressual, sendo que, aliado ao devido conhecimento técnico, a Anatel possui mais agilidade para aprovar o novo sistema de outorgas, abrindo o mercado para outras empresas. De outro, o Congresso é o lugar por excelência das decisões legislativas, como espaço político legítimo de confrontação de ideias e definição de proposições, sendo o debate e a negociação inerentes à sua dinâmica, o que requer tempo, o qual, no entanto, não pode ser indefinido. O PL 116 está parado no Senado e, apesar de ser prioridade para o governo, sua votação tem sofrido constantes adiamentos, com expectativa de ser votada em agosto.

Uma forma de compensação

Desde os primeiros movimentos para a modificação do marco regulatório na área da TV paga neste século, transparece a disposição para a abertura do mercado, um intento que não é geral, encontrando maiores resistências especialmente junto aos radiodifusores. Assim, chama atenção a brecha aberta pela Anatel, que possibilita apenas para uma das grandes empresas de telecomunicações o ingresso em um mercado de alcance limitado, mas com grandes efeitos. Da forma como cada espaço do mercado é intensamente disputado por agentes de diversas áreas, nesta Fase da Multiplicidade da Oferta, é esperada uma forte briga entre as próprias empresas para que seja decidido se haverá restrições ou não.

Tais fatos transcorrem em um momento de pressão para aprovação de iniciativas herdadas do governo Lula, como o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Abrir o mercado para novas participações também é de interesse do Estado, seja para arrecadar recursos com as vendas de novas outorgas e suas posteriores operações (via tributos), seja para a (indispensável) ampliação do alcance do serviço de telecomunicações no seu todo. Além disso, a entrada dessas empresas no cobiçado mercado de distribuição de audiovisuais por cabo pode ser interpretada como uma forma de compensação do Estado por eventuais perdas (ou lucros reduzidos) que venham a obter na operação do pacote de banda larga popular.

***

[Valério Cruz Brittos e Lucas de Abreu Dias são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Facom-UFBA; e graduando em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda pela Unisinos]