Domingo, fim de noite, 1/5/2011. O presidente dos EUA ocupou uma ala oficial do seu domicílio funcional para anunciar ao mundo pela televisão que a ‘justiça fora feita’, frase repetida pela secretária de Estado americana, Hillary Clinton, na segunda-feira, 02/05/2011. No mesmo dia, O Globo atribuía ao presidente dos EUA a seguinte frase durante sua campanha eleitoral: ‘Nós mataremos Osama bin Laden’. Ainda O Globo definiu a ação como de autoria de ‘forças especiais dos Estados Unidos’. O jornal espanhol. El País noticiou que o ‘presidente dos EUA anunciou na televisão que um `comando norte-americano´ eliminou a tiros no Paquistão o líder da Al-Qaida, cujo cadáver foi lançado ao mar’, citando neste particular o New York Times.
O jornal francês Le Monde informou, em texto repetitivo: ‘A França `saúda a tenacidade dos Estados Unidos´ após a morte de Bin Laden, um `acontecimento dos mais importantes da luta mundial contra o terrorismo´, declarou o presidente francês Nicolas Sarkozy em comunicado. `O anúncio pelo presidente Obama da morte de Bin Laden em consequência de extraordinária operação de comando americana no Paquistão é um acontecimento dos mais importantes da luta mundial contra o terrorismo. A França saúda a tenacidade dos Estados Unidos, que o procuravam há dez anos´, afirmou o Palácio do Eliseu, residência oficial do presidente francês.’
Detalhes duvidosos
Noticiou ainda El País: ‘Em março, Obama conheceu em primeira mão a situação da investigação. Naquele mês, teve sua primeira reunião das cinco que manteve em seis semanas na Casa Branca para conhecer todos os detalhes da operação contra Osama bin Laden. O exército dos Estados Unidos preparava o assalto à mansão-bunker do inimigo número um. Finalmente, Obama deu a ordem de atacar na sexta-feira passada, 29 de abril. Washington não compartilhou os dados de inteligência sobre o paradeiro de Bin Laden com nenhum outro país, nem mesmo com o Paquistão, por razões de segurança.’
Esqueçamos por algum momento o Paquistão, país que os nossos leitores da classe média provavelmente considerariam ‘republiqueta sem merecer qualquer respeito’, apesar de possuir bomba atômica e dominar toda a tecnologia que leva a este tipo de arma. Imaginemos que Bin Laden estivesse escondido no Brasil. Seria aceitável que um grupo armado estrangeiro adentrasse o local no qual se encontraria e o assassinasse, sem consentimento do governo brasileiro? Em que categoria seriam os autores classificados pelo nosso governo: justiceiros, assassinos, terroristas? Executores de decisão judicial, certamente que não, porque tal não existiu.
Voltemos aos detalhes da morte de Bin Laden. Segundo relato de O Globo (2/5/2011): ‘Um oficial disse que Bin Laden desceu atirando contra os militares que invadiram o seu complexo, mas nenhum americano ficou ferido. Ainda de acordo com o relato, a equipe de elite da Marinha, o Seal Team Six, entrou no complexo com óculos de visão noturna, deslizando dos helicópteros `Chinook´ através de cordas.’ Por que razão havia sangue no quarto de Bin Laden, de acordo com fotos e mesmo filmes divulgados pela imprensa internacional?
Ato sem consentimento
Morador da cidade de Abbottabad, o paquistanês Shaib Athar estranhou a movimentação de helicópteros na sua vizinhança durante a madrugada da segunda-feira, 2/5/2011. Sem conseguir dormir, abriu sua conta no Twitter e passou a relatar o que estava acontecendo: ‘Há um helicóptero dando rasantes nos céus de Abbottabad à 1h da manhã. Isso é um evento raro’, postou Athar, que logo acrescentou: ‘Escutei agora um grande estrondo que balançou as janelas… Espero que isso não seja o início de alguma coisa desagradável.’
Entretanto, ainda segundo O Globo, em 02/05/2011, Bin Laden teria sido morto no leito de seu quarto, como também noticiaram as agências internacionais, inclusive com fotos da cama ensanguentada. Claro que se tivesse reagido à prisão, teriam os invasores o direito de o executarem em legítima defesa. Entretanto, não parece crível que alguém reaja, supostamente com uma arma, à invasão do local onde se encontra diretamente de cima de uma cama. Se levantaria e o faria de uma janela ou atrás da porta do aposento. Outra hipótese é de que poderia ter sido surpreendido dormindo, pois a julgar pela notícia teria morrido na cama onde estava. Portanto, aparentemente não acordou ou saiu da cama com o barulho do helicóptero mesmo que este tivesse sido ouvido por Shaib Athar, morador a um quilômetro de distância da casa onde estava Bin Laden, como também noticiou a imprensa. Nesse caso, parece ter sido despertado pelos tiros lá de fora provavelmente trocados com seus seguranças. Dá para acreditar nisso? Estranhamente, tais detalhes não parecem ter preocupado a imprensa internacional.
Está claro que Bin Laden foi executado premeditadamente sem qualquer chance de defesa, exatamente como fizera com suas vítimas. Procedeu assim o país que o executou da mesma forma que o terrorista. A diferença é que os que Bin Laden matou foram, segundo a imprensa, e com justa razão, ‘executados por ato terrorista’. Sua morte, entretanto, foi, no dizer da imprensa e do próprio presidente dos EEUU, ato de ‘comando norte-americano’. Na realidade, foi ato de agentes de um país em outro país, sem o consentimento do governo deste segundo, pelo que anunciou a imprensa internacional, deixando claro que a ação não era do conhecimento do governo de qualquer país que não fosse o próprio EUA.
‘Esta era uma operação para matar’
Imaginemos que durante a ação algum vizinho tivesse alertado a polícia e esta flagrado os executores do crime. Como seriam eles tratados pelas autoridades paquistanesas que, insisto, desconheciam a ação do ‘comando’? No julgamento dessas autoridades, qual seria, então, a natureza da ação? Cumprimento de pena de morte? Impossível, porque Bin Laden nunca fora formalmente julgado e condenado. Se o tivesse sido, teriam os EUA direito de aplicar a pena em outro país, além do mais sem o conhecimento de suas autoridades?
Que Bin Laden era um terrorista, não resta dúvida. O detalhe, quase sempre esquecido pelas agências e a imprensa internacionais, é que ele e seu grupo foram criados no tempo em que o patrocinador era o governo dos EUA, o que é indiscutível. Segundo as regras do Direito internacional ou de qualquer país, nenhum criminoso pode ser executado sem julgamento ou direito de defesa, que não existiram no caso de Bin Laden. Foi morto em cima da cama, segundo foto divulgada por agências internacionais, mostrando, inclusive, o leito ensanguentado.
Segundo declaração de uma autoridade, oficial do departamento de segurança dos EUA, ‘as forças especiais dos Estados Unidos que localizaram Osama bin Laden estavam designadas a matar o líder da Al-Qaida, e não capturá-lo’. Além de assassinato, podem também esses agentes ser responsabilizados por ‘ocultação de cadáver’, lembrando que, segundo o New York Times, o cadáver teria sido lançado ao mar. ‘Esta era uma operação para matar’, disse oficial do departamento de segurança dos EUA. Como também foi noticiado que o presidente dos EUA pessoalmente autorizou a operação, seria ele o responsável direto pelo crime?
Por que não se deu destaque a tantas dúvidas?
Parece ter ficado bem claro que a carreira de Osama bin Laden começou e terminou com ato de terrorismo. Para a grande imprensa internacional, não. Denominado pelos EUA ‘combatente da liberdade’, nos tempos em que sua organização Al-Qaida foi montada, financiada e apoiada pelos EUA perpetrando atos contra as forças invasoras da URSS no Afeganistão. Ao tornar-se inimigo dos EUA, passou a ser denominado ‘terrorista’, até com razão. Mas, teriam ele e sua organização mudado de métodos? Pelo que dizia o governo da antiga URSS, não. Entretanto, nesse tempo pouca credibilidade era dada à imprensa soviética pela imprensa ocidental, de modo que ele era um ‘combatente da liberdade’, termo até heroico. Portanto, a imprensa e o governo dos EUA mudaram a nomenclatura usada para designar o antigo aliado, ainda que os métodos aparentemente fossem os mesmos.
A frase pronunciada durante a campanha eleitoral pelo futuro presidente dos EUA – ‘Nós mataremos Osama bin Laden’ – pode ser considerada a premeditação de um crime? Ou é antes a explicação de uma ação na qual a justificativa é a famosa ‘razão de Estado’? Talvez fosse incômodo às autoridades daquele país promover julgamento público em que o réu poderia ter importantes revelações sobre seus anos de dolce vita ou ‘lua-de-mel’ com o sistema político e militar dos EUA.
E a imprensa internacional, por que, em nome da boa informação, não deu destaque a tantas dúvidas?
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Físico e escritor, Rio de Janeiro, RJ