Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornal que vende ilusões

Reparem neste e-mail enviado no dia 12 de abril de 2011 para o ouvidor (ombudsman) do jornal O Povo, de grande circulação no estado do Ceará:

‘Gostaria de uma resposta para este questionamento: Por que, de repente, a prefeita de Fortaleza se torna articulista do jornal O Povo, o que motiva esse súbito despertar literário e por que será que nós, pobres mortais, não temos acesso nem direito a publicar um pequeno texto no jornal? Já tive, sim, alguns artigos publicados no jornal, mas grande parte do que produzo é descartado pela editoria. De repente, não mais que de repente, a prefeita de Fortaleza se torna articulista do jornal e tem direito a fazer propaganda de seu governo. Não questiono a capacidade da prefeita de escrever, mas questiono o fato do jornal dar privilégios a quem tem poder e a quem é governo. Será que esta escolha foi referendada pelo Conselho de Leitores ou foi ditada pelo dono do jornal? Fato estranho que merece questionamentos. Aguardo uma resposta convincente.’

Infelizmente, não fui respondido até hoje pelo representante da ouvidoria do jornal que hoje tem até colunista de política para defender veementemente a prefeita de Fortaleza, que, segundo reportagem da revista Veja das últimas semanas, utiliza de forma esbanjadora o cartão corporativo, mantém a Guarda Municipal a serviço de sua mãe e ainda construiu casa em área de proteção ambiental.

Sem entrar em nenhum mérito da situação, é importante refletir que há um quê de nebulosidade de nossa imprensa que tem hoje a prefeita como articulista do jornal em meio a uma crise sem precedentes derivada da incompetência administrativa implantada na cidade pelo modo petista de governar. Causa estranheza que, desde que a prefeita começou a escrever para o jornal, artigos de consolação aos pobres moradores da cidade, dizendo que fazer festas é bom para cidade e que construir um jardim japonês muda a vida do povo e que nossa cidade não tem problemas. O mais incrível de tudo é que poucos são os artigos do jornal que procuram criticar o modelo administrativo implantado pela nossa prefeita. Assim, perguntaríamos onde está o código de ética dos jornalistas? Quem determina a posição de articulista no jornal? Por que o jornal não exerce o princípio da contradição?

Sei que jamais terei resposta

Não consigo responder a tais perguntas, mas seria bom que a direção do jornal e seus editores venham a público responder a tais indagações para que as notícias e páginas de jornal estejam plenamente de acordo com os preceitos de um mundo plural, onde a comunicação seja verdadeira, dê direito ao contraditório e seja, sobretudo, imparcial, não politicamente, mas no sentido da cidadania. Não entendo como não houve reação a esse processo. Afinal, onde está nosso povo que não grita, não fala, não se movimenta para ver se o país muda e se as representações políticas procuram realmente governar para o povo, e não para grupos e grupeiros de plantão que estão sempre no troca-troca de cargos e favores?

Sei, porém, que não haverá de forma alguma resposta do jornal, pois é comum não haver por parte deste respostas aos anseios populares, os e-mails das edições geralmente não têm resposta nem de consolo para os que procuram o jornal e o povo, que é o nome do jornal, é sempre barrado na portaria quando tenta falar com algum jornalista que às vezes se julga um semideus. Não é essa a imprensa por que tantos lutaram e em muitos casos foram até mortos e agredidos em defesa de um modelo alternativo de comunicação. Talvez tenha sido por isso que a cúpula do jornal tenha batido tanto na proposta de criação de um Conselho de Comunicação. Há nuvens no ar…

Por outro lado, quero dizer que a cidade da articulista Luizianne Lins não é a que vem sendo apregoada em seus artigos. Há na cidade infraestrutura precaríssima, funcionários municipais tratados com desdém e desrespeito e com reajuste ínfimo, de quase zero. Em Fortaleza, professores são obrigados a tomar café sem açúcar porque não pagaram a cota do café, da água e do açúcar. Vale morrer? A cidade mostrada nos artigos produzidos pela prefeita não é a do sonho dos que a levaram ao poder. O jornal em questão não tem mostrado os problemas da cidade pelos que têm menor acesso à cúpula das redações, mas com certeza há uma cidade revoltada pelo trânsito caótico sem soluções, há um povo que padece nas filas dos postos de saúde, há crianças sem aula pelo simples cumprimento da Lei do Piso, que é Constitucional e não é cumprido pela prefeitura por simples birra e desrespeito aos educadores, há um processo de escolha de gestores de forma biônica – são indicados pelos vereadores de sustentação do poder da prefeita – e há também uma invasão de empresas terceirizadas que pertencem a empresários e políticos locais e que só empregam cidadãos com o velho cartãozinho do vereador ou parlamentar(coisa de 30 ou 40 anos atrás). Esta, a cidade real que o jornal esconde. A cidade que a articulista do jornal tem mostrado é irreal… Mas qual é mesmo o papel da imprensa? Sei que tudo que digo é pura terapia ocupacional, pois jamais terei resposta e assim caminha a humanidade… Mas vale a pena pelo menos contestar… Ia esquecendo, vão continuar me boicotando?

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Professor e vice-presidente da Associação de Ouvintes de Rádio do Ceará, Fortaleza, CE