Os homossexuais nunca estiveram tão presentes na telenovela brasileira como em 2011. Para além do clichê que tradicionalmente é construído, autores da Globo e do SBT têm se esforçado para apresentar na TV aberta um cotidiano muito próximo da realidade destas minorias. Isto envolve construção de personagens não estereotipados, submetidos a contextos que, no folhetim televisivo, antes pertenciam exclusivamente ao universo heterossexual. A evolução no discurso é mérito da genialidade dos novelistas, que identificaram o momento propício para renovar seus núcleos a partir de abordagens inovadoras, mesmo limitadas ao que é admissível em veículos massivos como a televisão. Novela com o maior número de personagens homossexuais dos últimos anos,Insensato Coração (Globo, 21h10) possui gays bem-comportados que enfraquecem a mitologia da promiscuidade. Ainda que em menor medida, Amor e Revolução (SBT, 22h15) recentemente também surpreendeu, ao exibir um beijo de língua entre mulheres. A surpresa maior ficou por conta da emissora que a exibiu, sabidamente despreocupada com inovações em sua teledramaturgia.
No entanto, como grande parte da audiência de ambas novelas ainda é conservadora, não tardou para que as emissoras recuassem na temática. Na Globo, Gilberto Braga e Ricardo Linhares foram convocados para uma reunião emergencial com a direção da emissora, que solicitou aos autores que acalmassem os anseios dos personagens homossexuais. No SBT a ordem partiu diretamente de Silvio Santos ao autor Tiago Santiago, que foi aconselhado a desfazer um casal de rapazes em vias de se formar e que seria o responsável pelo primeiro beijo homossexual entre homens em uma novela nacional. Foram cortadas também cenas já gravadas que mostravam a ambiguidade sexual de um jovem padre.
Pai e filho espancados
Os discursos abordados em novelas não raramente estão condicionados a pesquisas de opinião, sendo estes os indicativos responsáveis pelo avanço ou recuo de determinado personagem. Pelo impacto gerado por uma novela do prime time da Globo, Insensato Coração pode ser considerada a mais positiva tentativa de apresentar ao telespectador ortodoxo uma realidade talvez desconhecida. Apesar da negativa aos personagens homossexuais revelada pelas pesquisas, a novela de Braga e Linhares nutre-se de uma realidade muito presente na vida cotidiana. Neste momento cumpre, inclusive, um importante trabalho de divulgação da homofobia, termo introduzido nos anos 1960 para explicar a aversão, ódio e demais níveis de discriminação contra homossexuais.
Para abordar a questão, os autores construíram cenas em que os personagens gays são perseguidos e violentados. A carga de realidade presente nos capítulos finais de Insensato Coração foi inspirada no caso de três estudantes homossexuais vítimas de homofóbicos que utilizaram lâmpadas fluorescentes para agredi-los. A violência gratuita virou manchete nos principais veículos de comunicação, uma vez que câmeras de segurança capturaram o exato momento da agressão. Mais recentemente, pai e filho confundidos com homossexuais foram espancados na rua, no momento em que se abraçavam. Enquanto o adolescente desmaiou com os golpes que sofreu, o homem de 42 anos teve parte da orelha decepada.
O crime dos skinheads
Não se pode negar que os meios de comunicação massivos foram co-responsáveis por midiatizar uma espécie de categorização da sexualidade humana. Em escala global, imagens de mulheres extremamente masculinizadas e homens feminizados colaboraram para a formação simplificada e caricata dos homossexuais. O poderio das igrejas, detentoras de infinitas outorgas de emissoras espelhadas pelo território nacional, aponta para a propagação deste mesmo discurso nos próximos anos.
Acostumada a ser crucificada por extremistas religiosos, a senadora Marta Suplicy (PT) recentemente revisou seu antigo Projeto de Lei da Câmara (PLC), disposto a criminalizar os homofóbicos. A proposta original batia de frente com membros da bancada evangélica e grupos chamados pró-família. Na verdade, algumas comunidades religiosas assumiram temer medidas como a prisão de seus membros, no caso de pronunciamentos contra os homossexuais. No entanto, uma nova proposta – ora redigida em comum acordo com a Associação de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ALGBT) – focou na violência contra os homossexuais, chegando mesmo a ser defendida pelo senador religioso Magno Malta (PL).
Assim como aconteceu com a Lei Maria da Penha, estima-se que a proposta seja batizada de Lei Alexandre Ivo, em homenagem ao adolescente de mesmo nome, assassinado pelo fato de ser gay. Alexandre Thomé Ivo Rojão, então com 14 anos, foi sequestrado, torturado e assassinado no município de São Gonçalo (RJ), em 2010. O crime foi praticado por skinheads, uma espécie de seita conhecida por odiar os homossexuais e que ainda pode ser vista cometendo atrocidades na novela das nove.
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[Andres Kalikoske e Jonathan Reis são, respectivamente, jornalista e doutorando em Ciências da Comunicação na Unisinos, onde coordena o Núcleo de Análise da Teledramaturgia (NAT); e graduando em Publicidade e Propaganda e pesquisador do NAT na mesma instituição]