Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia e o terrorismo de cada dia

Os jornais brasileiros destacam, na cobertura do atentado terrorista na Noruega, trechos do manifesto publicado pelo extremista Anders Behring Breivik sobre o que considera a ameaça da imigração na Europa, no qual condena a miscigenação racial no Brasil.

O texto, um apanhado de citações copiadas da internet, com 1500 páginas recheadas de referências contra o islamismo, aponta o Brasil como exemplo negativo de país em que, segundo ele, a “mistura de raças” produz “altos níveis de corrupção, falta de produtividade e um conflito eterno entre várias culturas competitivas”. O terrorista critica ainda a existência de mulatos, que chama de “sub-tribos”.

Raciocínio torto

A coleção de sandices na mente de um aloprado de extrema direita capaz das atrocidades que Brivik cometeu não chega a surpreeender. O que causa certa estranheza e apreensão é a constatação de que muitas de suas convicções frequentam o ambiente midiático, sob outras formas, como se fossem afirmações aceitáveis.

Não são raros os articulistas e até mesmo editorialistas que acreditam em teses de supremacia racial. Tais autores representam a persistência, em determinadas camadas da nossa sociedade, de crenças sobre supostas vantagens das comunidades homogêneas.

Na mídia do sul do Brasil proliferam apresentadores de rádio e televisão, colunistas e outros jornalistas que costumam debitar as históricas carências nacionais ao que consideram como o “peso” do Nordeste. Mesmo com os altos índices de desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste, registrados nos últimos anos, o mote preconceituoso ainda acompanha, explicitamente ou de maneira velada, comentários sobre corrupção, violência e deficiência educacional.

Com a conivência da imprensa – que continua cedendo espaço ao que há de mais conservador por aí – a reiteração de raciocínios tortos contribui para desvalorizar a diversidade cultural e racial e estimular o preconceito.

Ato de rotina

Um ato terrorista como o que atingiu a Noruega sempre produz reações de choque, mas o noticiário e o opiniário do dia a dia dissimulam o fato de que a intolerância amadurece até o ponto da explosão por meio da repetição de conceitos anti-humanitários através da mídia.

A ojeriza contra todo tipo de utopia, característica do pensamento que predomina na imprensa brasileira, é uma das raízes do individualismo e da negação dos direitos do outro.

É um ato terrorista que se pratica na rotina, contra toda espécie de sonho coletivo.

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Observatório da Imprensa na TV

[Com Tatiane Klein]

Nas últimas semanas, dois casos envolvendo liberdade de imprensa povoaram o noticiário. De um lado, o caso do império midiático de Rupert Murdoch, abalado por um escândalo que não para de ter desdobramentos. Do outro, o caso do processo movido pelo presidente do Equador, Rafael Correa, contra o jornal El Universo, gerando indignação no país.

No primeiro caso, a sanha sem limites de Murdoch e suas empresas de mídia moveu manobras políticas, corrupção policial, prisões e até morte – sem falar de desvios de ética jornalística alimentados pelas escutas telefônicas.

No segundo caso, o presidente do Equador calou quatro jornalistas de El Universo por chamarem-no de ditador. O juiz Juan Paredes condenou a três anos de prisão os diretores do jornal e seu ex-editor de Opinião, que deverão pagar uma indenização de 40 milhões de dólares ao presidente.

Entre interesses mercadológicos e interesses governamentais, quem sai ferida é a liberdade de imprensa. Como equilibrar interesses de forma a não permitir excessos no mercado de mídia e ao mesmo tempo garantir a liberdade de opinião quando a imprensa se torna uma arena política? Pode existir uma terceira via de controle sobre os usos e abusos da imprensa, garantindo que nenhum direito fundamental seja desrespeitado?

É o que vai discutir o Observatório da Imprensa na TV desta terça-feira. Participam do programa o jornalista Cláudio Bojunga, o diretor de conteúdo do grupo Estado de S.Paulo Ricardo Gandourm e o editor executivo da Folha de S. Paulo, Sérgio D’Ávila. O Observatório da Imprensa vai ao ar às 22 horas, pela TV Brasil, ao vivo, em rede nacional. Em São Paulo pelo canal 4 da NET e 116 da Sky.