“Quando Amy Winehouse vai morrer? – Faça sua previsão. Use o formulário abaixo para tentar adivinhar o dia do último suspiro de Amy e seja coroado sr. ou srª Morte. O vencedor será recompensado com um iPod Touch.”
Esta é a tradução literal do site que fazia apostas sobre o dia da morte da infeliz cantora inglesa. A página teve vida curta, como Amy, que morreu aos 27 anos. Mas vai deixar a marca indelével da infâmia de todos aqueles que aceitaram este tipo monstruoso de humor. O site tem 9.606 páginas. A maioria das postagens foi feita no dia da morte da intérprete britânica. O início, entretanto, vem do ano de 2007.
Também encontrei, no macabro site, comentários e protestos de gente indignada com a brincadeira. Mas foram apenas 237, entre quase 10 mil pessoas que deixaram suas previsões. Os “ganhadores” foram quatro e serão chamados para receber seu “prêmio”, informou a página. “Agora que Amy está de partida”, diz o vergonhoso site, “como o mundo está a faturar com seu declínio, nós pensamos que é apenas justo que você possa lucrar com isso também.”
É isto o que temos que suportar em nome da liberdade de imprensa? Crueldade ilimitada e nenhum respeito por nada neste mundo? A simples e desprezível proposição desta “brincadeira” é desumana e cruel: obter benefício material em apostas sobre a morte de um ser humano. Este tipo de mentalidade cruel e desapiedada é que torna o mundo um bom lugar para se viver para sujeitos como Anders Behring Breivik, o matador norueguês.
Culto da morte e da indiferença
Este tipo de cultura da morte estimula tudo o que há de pior no ser humano: a volta da intolerância, do antissemitismo, dos sentimentos anti-islâmicos e do ódio racial. Pior de tudo, estimula a indiferença total ao sofrimento alheio. “Acerte o dia do último suspiro dela e ganhe um iPod”, diz o site. Nunca vi tamanha ignomínia…. Como puderam imaginar algo assim tão bárbaro, tão maléfico, tão desprezível?
Que ninguém se espante se, na distante Noruega, um homem só tenha causado a paralisação de um país inteiro e de boa parte do planeta. O poder de um! Um homem alucinado e cheio de ódio que assassinou quase 100 pessoas na Noruega e depois friamente entregou-se a polícia. E ainda achou razão para seus atos… Nós vivemos numa cultura que estimula isso. Nós estimulamos isso. Alguém por acaso se lembra da cobertura da Globo, no Fantástico de domingo? Acho que houve muito pouco respeito demonstrado pelos apresentadores. O ambiente foi quase festivo. Um verdadeiro carnaval, que parecia ter como tema “Vamos todos rir da drogada que se matou.”
Amy Winehouse tentou corresponder ao que se esperava dela e morreu por isso. A mídia explorou exaustivamente os excessos da jovem. Ninguém mais a queria sóbria.Ela seria então apenas mais uma cantora, e não uma curiosidade a ser explorada e sugada até a morte por uma sociedade que parece cultivar a morte e a indiferença ao sofrimento alheio. Amy Winehouse morreu sendo Amy Winehouse. Não havia mais nada para ela, neste mundo.
A morte e o circo
Ela só tinha 27 anos. Uns poucos vão lembrar que ela um dia foi uma grande cantora. Alguns poucos talvez lembrem que ela teve pais, família e amigos. Que foi criança, como todos nós. Que brincou, viveu e sonhou. Sonhou sonho de menina: queria ser cantora, e muito famosa. E esta ilusão a levou embora deste mundo. Realizou o sonho e perdeu a vida. Vamos respeitar o descanso da Amy. Vamos calar por um segundo por esta pobre criatura que nunca encontrou seu lugar no mundo. Mesmo tendo, por alguns instantes, correspondido a tudo o que se esperou dela. Pobre Amy. Não sabia – não teve tempo para aprender – que tentar atender as expectativas de todos aqueles que nos cercam pode significar nossa sentença de morte. A vida foi cruel com Amy. E ela não teve muito tempo para aprender…
Vou lembrardela com respeito. Sempre. Porque a morte de cada ser humano me dói. Voulembrarda Amy, do Jimi Hendrix, do Jim Morrison, da Janis Joplin, do Duane Almann e de todos os anti-heróis drogados e sofredores. De todos aqueles que tiveram suas mortes transformadas em circo pelo povo e pela mídia de um mundo que parece esquecer que existiu um dia uma virtude chamada piedade e uma força na alma chamada bondade.
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[Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano e regional, consultor e tradutor]