Num mundo em que todo tipo de rajadas de tiros, desmembramentos e chacinas encontrou seu lugar na web – onde dezenas, talvez centenas de milhões de pessoas assistiram às bolhas de sangue brotando do rosto de Neda Salehi Agha Sotan e à piscina no asfalto, abaixo de sua cabeça – parece sem sentido que o presidente Barack Obama tenha decidido não divulgar as fotos do crânio despedaçado a bala de Osama bin Laden.
No programa 60 Minutes que foi ao ar no domingo (1/5), Obama disse que considerava importante que ‘fotos muito nítidas de alguém que levou um tiro na cabeça não fiquem à vista de todos como um incentivo a mais violência ou como ferramenta de propaganda’. O secretário de Imprensa da Casa Branca, Jay Carney, falou na terça-feira (3/5) sobre ‘questões delicadas envolvidas’ na divulgação de fotos ‘medonhas’ e potencialmente inflamatórias e fez considerações sobre se a permissão de sua publicação ‘serviria ou prejudicaria, de alguma forma, nossos interesses’, tanto no país quanto no exterior. Hoje (4/5) ele disse que o governo não iria querer que as fotos se tornassem ‘ícones’ que ajudassem a arregimentar apoio contra os Estados Unidos.
O presidente da Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes, deputado Mike Rogers (Partido Republicano, Michigan), opõe-se à divulgação das fotos por motivos semelhantes, dizendo que não quer que as imagens tornem o trabalho das tropas americanas, ‘que servem em lugares como o Iraque ou o Afeganistão, ainda mais difícil do que já é. Os riscos da divulgação são maiores do que os benefícios’.
Um precedente em relação a ‘notícias medonhas’
A ideia de Obama e Rogers de que a notícia deve ser calibrada pelo governo de forma a facilitar o trabalho dos militares norte-americanos abre um enorme espaço para apelar para a Constituição (First Amendment). Se a Al-Qaida e seus simpatizantes estão mais furiosos com os Estados Unidos esta semana do que estavam na semana passada, isso é porque comandos norte-americanos mataram Bin Laden. E Obama não deveria ter decidido por sua morte, caso mexer com ‘questões delicadas’ da Al-Qaida e de seus aliados fosse a política adotada pelos Estados Unidos.
É difícil imaginar que uma foto da morte de Bin Laden aumentasse a fúria da Al-Qaida e de seus simpatizantes mais do que o seu assassinato. Ou, como alguém (@knifework) disse no Twitter hoje à tarde ‘o que iria sentir pela foto alguém que não tenha dado um tiro na cara de uma pessoa, que não tenha jogado seu cadáver aos tubarões e em seguida atormentado seus simpatizantes?’
Não defendo a divulgação das fotos porque isso convencerá os não convencíveis que Bin Laden morreu, ou porque deseje um ‘troféu’ ou a comemoração de um gol no futebol, como disse Obama em sua entrevista ao 60 Minutes. Sou favorável à divulgação das fotos porque elas são parte essencial da guerra contra a Al-Qaida. Retendo as fotos e expressando sua supressão em nome da segurança nacional, avalia equivocadamente o que irrita a Al-Qaida e infantiliza a nação. E também cria um precedente em relação a ‘notícias que sejam demasiado medonhas para divulgar’.
Universalmente aceita
Veja como o repórter David Martin, da CBS, descreve as fotos, baseado numa descrição que lhe foi feita: ‘Realmente, a coisa parece ser medonha. Lembre-se que Bin Laden foi alvejado duas vezes, quase à queima-roupa: uma vez no peito e uma vez na cabeça, um pouco acima de seu olho esquerdo – esta bala abriu seu crânio, expôs seu cérebro e explodiu seu olho. Portanto, essas não são fotos para pessoas impressionáveis.’
Barbie Zelizer, autora do recém-publicado livro About To Die: How News Images Move the Public, considera paradoxal que o governo recue da divulgação das fotos, mas forneça alegremente descrições orais do assalto espetacular e da morte de Bin Laden. ‘Ou uma coisa ou outra’, disse-me Zelizer numa entrevista. Segundo Barbie Zelizer, as fotos de Bin Laden são ‘parte dos fatos, parte da notícia’, e escamoteando-as dá às fotos ‘poderes mágicos’ que de outra forma não existiriam. Se as escondemos do público, vamos enfrentar uma ladeira escorregadia que leva à ignorância, à timidez, à dúvida e às teorias conspiratórias.
De acordo com Zelizer, parte da ambivalência sobre a divulgação das fotos é o fato de que uma descrição universalmente aceita sobre a morte de Bin Laden ainda não apareceu. Como eu mesmo dizia no dia seguinte ao do ataque, a imprensa e o governo tiveram grandes problemas para concordar com precisão sobre a forma pela qual a operação se desenrolou. Bin Laden usou sua mulher como escudo? Ela foi morta? Ele atirou nos militares do Seal? Ou os militares do Seal executaram sumariamente um homem desarmado?
Uma nação confiável
Se uma descrição aceitável existisse, talvez fosse mais fácil para o governo prever como as fotos seriam recebidas, tanto no país quanto no exterior. Mas não cabe à Casa Branca controlar e manipular a informação em nome da nação, baseada em casos imaginários de reação a acontecimentos. Isso era a maneira soviética de pensar.
Se uma nação é confiável para ver os horrores do 11 de Setembro em tempo real, para folhear o álbum de fotografias de Abu Ghraib, para assistir ao vídeo do assassinato de Daniel Pearl, para ver as imagens das mortes de Uday e Qusay no noticiário da noite ou para ver, estarrecida, as fotos dos soldados mortos desembarcando no país como frete aéreo (fotos que, a propósito, o presidente Bush tentou censurar em nome de controlar a informação), então ela é confiável para aguentar as últimas fotos de Osama bin Laden – e qualquer tipo de comoção que essas fotos possam causar. Por quê? Porque esse é o tipo de país que os Estados Unidos são.