Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Lixo na política, poesia nas ruas

Alguém anda espalhando poemas pela cidade de São Paulo, colando folhas de papel em pontos de ônibus com textos de Mario Quintana, Manoel de Barros, Paulo Leminski e Alice Ruiz. A “denúncia” foi publicada na edição de quarta-feira (27/7) do Estado de S.Paulo.

Um ex-morador de rua começou a circular pelo centro de São Paulo com sua “bicicloteca”, um triciclo lotado de livros, que empresta para pessoas que não têm endereço fixo, e que, por isso, não podem usar as bibliotecas normais. A nota sobre esse “subversivo” que faz concorrência desleal às livrarias, distribuindo livros de graça, saiu na Folha de S.Paulo.

Também saiu nos jornais, em todos eles, a nota postada numa rede social da internet pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, na qual ele comenta, alegremente, que “o astral dos moradores de rua está muito bom, acho que é porque o frio deu uma trégua hoje”.

Saiu também a reação dos internautas, alguns dos quais o acusam de promover um processo de “higienização social” para atrair investidores para os projetos de recuperação de imóveis no centro da capital paulista. O prefeito paulistano já foi acusado pela imprensa de haver reduzido as vagas em albergues municipais, provocando o aumento do número de pessoas que dormem nas ruas da cidade.

Direito à blague

No domingo (24/7), o Estado de S.Paulo publicou reportagem relatando que a chamada “cracolândia”, antigo quarteirão na zona central da capital paulista ocupado por viciados em droga, teve sua população multiplicada por dez nos últimos meses. Cerca de dois mil usuários de drogas circulam por ali diariamente, compondo uma verdadeira feira ao ar livre. Além disso, o fenômeno começa a se reproduzir em outros municípios da região metropolitana, produzindo a rápida deterioração de vastas áreas urbanas.

 Até muito recentemente, os jornais paulistas mantinham um visível cordão de proteção em torno do prefeito Gilberto Kassab. Embora o noticiário traga eventualmente reportagens negativas, em geral o chefe do Executivo era tratado com certa benevolência, tendo ganho ampla visibilidade sua decisão de deixar o Partido Democratas e fundar sua própria agremiação.

Incidentes que revelavam a falta de manutenção de equipamentos públicos não deixavam de ser noticiados, mas sempre em frequência muito baixa e com pouco ou nenhum destaque.

Kassab se sentia tão à vontade que se viu no direito de fazer blague com os sem-teto que morrem de frio nas calçadas por falta de vagas nos albergues públicos.

Livros para quem quer ler

Na quarta-feira (27), chama atenção uma reportagem anunciada na primeira página da Folha: a prefeitura de São Paulo descumpre a lei ambiental criada há dois anos e propagandeada com estadalhaço pela imprensa na ocasião. A reciclagem é uma farsa e menos de 1% do lixo é reaproveitado. Dos 92 pontos de coleta prometidos, chamados de ecopontos, apenas 42 estão em funcionamento e a população segue jogando entulho nas ruas.

Segundo o jornal, somente as pequenas obras da capital produzem diariamente 12 mil toneladas de resíduos e menos da metade desse total chega aos aterros oficiais. Seguem em operação normal 1.500 depósitos ilegais de entulho. Além disso, a coleta seletiva também é uma ficção: apenas 155 toneladas de resíduos reaproveitáveis são coletados diariamente, o que representa menos de 1% das 17 mil toneladas de lixo produzidas pela maior cidade do país todos os dias.

O jornal conclui que a prefeitura de São Paulo está longe de cumprir o compromisso de reduzir em 30% as emissões de gases do efeito estufa até 2012.

Mas há também as outras notícias. A própria Folha conta do cidadão chamado Robson Mendonça, que acabou na rua após perder mulher e filhos num acidente e ter suas economias roubadas por estelionatários. Vagou pela cidade, como um sem-teto, por seis anos, até 2003, quando retomou sua vida. Aos 60 anos, ele dirige uma ONG que atende moradores de rua e pode ser visto na Praça da Sé e em outros pontos do centro de São Paulo, pedalando seu triciclo vermelho chamado de bicicloteca.

Ele carrega obras de Truman Capote, Lima Barreto, Graciliano Ramos e toda boa literatura que ganha de doadores. Os livros são emprestados ou dados para quem quiser ler e passar adiante.

Também tem a notícia do Estadão sobre o cidadão anônimo que anda pregando poesia em pontos de ônibus da cidade. Num dos cartazes, colado na Avenida Doutor Arnaldo, pode-se ler uma obra da curitibana Alice Ruiz. Diz a poeta:

“Tem os que passam/ e tudo se passa/ com passos já passados./ Tem os que partem/ da pedra ao vidro/ deixam tudo partido./ E tem os que deixam a vaga impressão/ de ter ficado”.