Chega ao fim a busca por Osama bin Laden, terrorista número 1 do mundo, responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, que mataram cerca de 3 mil pessoas. Na madrugada de 2 de maio, vinte agentes invadiram a casa onde o terrorista estava escondido, na cidade de Abbottabad, no Paquistão e, 40 minutos depois, Bin Laden estava morto com dois tiros na cabeça. Em seguida, as mídias sociais já noticiavam a morte do terrorista e mesmo antes do pronunciamento oficial do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, uma multidão se |
O corpo de terrorista foi lançado ao mar, na Arábia, para evitar cultos e peregrinações em torno do cadáver. Mesmo sob forte pressão internacional, o governo americano não divulgou imagens do terrorista morto. Foram veiculadas apenas fotografias da casa onde Bin Laden estava escondido e trechos de vídeos gravados pelo terrorista, apreendidos na operação. Outro tema polêmico foi o uso do ‘afogamento simulado’ para a obtenção de informações sobre o paradeiro do líder extremista. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (10/5) avaliou a cobertura da morte de Bin Laden na imprensa no Brasil e no mundo.
Alberto Dines recebeu no Rio de Janeiro o jornalista Claudio Bojunga. Formado em Direito, Bojunga estudou Política Internacional no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Foi repórter, redator, crítico, editorialista e correspondente internacional. É professor da PUC-Rio e escritor. No estúdio de São Paulo, o Observatório contou com a presença do filósofo Roberto Romano. Graduado em Filosofia pela USP, Romano tem doutoramento na Escola de Altos Estudos de Paris. É professor titular da Unicamp na área de Ética e Filosofia Política. Escreveu vários livros e artigos sobre Ética e Teoria do Estado.
O fator fanatismo
Em editorial, Dines relembrou que ‘a mídia dos países democráticos foi transformada num campo de batalha’ após o atentado às Torres Gêmeas. ‘A execução de Osama bin Laden não vai acabar com os atentados e massacres de civis inocentes, mas acaba com o mito da invencibilidade do fanatismo político-religioso. O quadro mudou drasticamente e as revoltas que estão ocorrendo há cinco meses na África do Norte e Oriente Médio estão contribuindo para esta reversão. Convém lembrar que o processo só se completará quando a sociedade civil mundial tiver condições de perceber que o fim do terrorismo passa obrigatoriamente pelo fim do fanatismo religioso, todos os fanatismos religiosos’, alertou.
Dines relembrou o exemplo da cidade de Córdoba, na Espanha, onde há mais de mil anos as principais religiões que cultuam um único Deus conviveram pacificamente.
A reportagem exibida pelo Observatório entrevistou o repórter e apresentador da TV Globo Edney Silvestre, primeiro jornalista brasileiro a chegar ao World Trade Center. Edney avaliou que a reação patriótica dos americanos após a notícia do fim de Bin Laden não pareceu a comemoração da ‘morte de um facínora’, mas a celebração da possibilidade do fim de uma ‘era do terror’. Edney contou uma lembrança intangível e poderosa da cobertura dos atentados: ‘Eu estava lá, e quem estava lá nunca vai esquecer não apenas daquelas imagens que nós todos vimos, mas do cheiro de carne humana queimada’. Para o jornalista, é possível apagar temporariamente da memória até as cenas das pessoas saltando dos edifícios em chamas, porém o cheiro específico emanado de Manhattan daqueles primeiros momentos permanece intacto. Sobre o trabalho da imprensa brasileira na morte do terrorista, Edney destacou que não é possível fazer uma cobertura substancial a partir de computadores, telefones e redações no Brasil: é preciso enviar profissionais a campo em busca da pluralidade da informação.
Merval Pereira, colunista do jornal O Globo, tem uma ligação especial com o tema: embarcou de Nova York rumo ao Brasil na véspera dos atentados de 11 de setembro, cobriu durante um ano, nos Estados Unidos, as eleições que levaram Barack Obama ao poder, e estava em Washington no dia da morte do terrorista. Mesmo que parte da mídia condene a ação do governo americano e proteste contra as arbitrariedades cometidas, de acordo com a avaliação de Merval o ‘cidadão médio’ americano está se sentindo vingado e recompensado. ‘No dia seguinte, todos os jornais norte-americanos vibravam patrioticamente. Nenhum jornal teve uma atitude crítica em relação ao fato de ele ter invadido o Paquistão, de ter executado o Bin Laden. Ninguém questionou isso em um primeiro momento. O máximo de cautela que aconteceu foi que alguns jornais, como The New York Times, atribuíram ao Obama a informação de que Bin Laden estava morto’. Merval contou que alguns jornais chegaram a publicar no dia seguinte manchetes como ‘Pegamos o bastardo’.
Julgamento possível?
Roberto Godoy, da editoria de Internacional de O Estado de S.Paulo, avaliou que a morte de Osama atendeu a uma expectativa geral da população. ‘Eu acho que seria uma ingenuidade pensar que este homem seria preso e levado a julgamento. Vamos imaginar o cenário: ele preso, é levado ao Tribunal de Haia e acontece o julgamento. O que acontece em Haia durante este período todo? Imagine o tamanho do problema’, questionou o editor.
A jornalista Cristiane Costa, que estuda as mídias sociais, explicou que apesar das vantagens das novas mídias – como rapidez e interatividade – a imprensa tradicional tem características insubstituíveis: ‘Um bom repórter é treinado, está acostumado, tem faro, tem ‘olho’, é malandro, sabe identificar o que é falso e o que é verdadeiro, na maior parte das vezes’.
De Nova York, o correspondente Lucas Mendes comentou a polêmica em torno da divulgação ou não de imagens de Bin Laden morto: ‘Nem antes do 11 de setembro a grande imprensa americana publicava fotos grotescas ou imagens de corpos mutilados, nem de americanos nem de inimigos. Há uma tradição militar contra o uso de fotos de inimigos mortos para propaganda. A foto de Osama bin Laden mostra um rosto tão desfigurado, sem um olho, com os miolos expostos que ele [o presidente Obama] acha que pode provocar perigosas reações anti-americanas’. O jornalista contou que o debate segue intenso e ditado por linhas partidárias. Setores contrários ao governo devem pedir na Justiça a liberação do material alegando que a não-divulgação fere o direito à liberdade de expressão. Lucas alertou para o fato de que a censura não costuma funcionar bem na mídia americana e que o material sigiloso acaba vazando e vindo à tona.
O Observatório mostrou a repercussão do tema na Europa, onde a al-Qaeda comandou dois atentados: em 2004, na Espanha e, um ano depois, no Reino Unido. Baseado em Londres, Silio Boccanera contou que os jornais logo passaram a discutir o contexto político da ação. ‘Alguns analistas apontaram mais o sentido de vingança do gesto do que a busca de Justiça’, disse Boccanera. Ocupam as páginas dos jornais ingleses a questão do destino do corpo do terrorista, a divulgação das imagens e o fato de Bin Laden ter conseguido se esconder durante cinco anos no Paquistão sem levantar suspeitas.
Deborah Berlink, jornalista baseada em Paris, contou que os jornais franceses saudaram a morte de Bin Laden como uma boa notícia. No final do ano passado, a França foi ameaçada diretamente pelo terrorista por conta da posição favorável à invasão do Afeganistão e também devido à polêmica sobre o uso do véu islâmico nas ruas. A mídia se interessou sobre os detalhes misteriosos da operação que levou à morte do terrorista, mas o foco se voltou rapidamente para o que pode acontecer com o país depois da morte de Bin Laden.
Mídia propagadora
No debate ao vivo, Dines sublinhou que o terrorismo precisa da divulgação da mídia para apavorar a ‘multiplicar’ as ações criminosas. Roberto Romano disse que não existe no campo do fanatismo uma opinião neutra e objetiva: são forças guerreando. E relembrou que desde a ascensão do regime nazi-fascista na Alemanha, nos anos 1930, a ‘razão de Estado’ usa a mídia para propaganda. ‘O terrorista não tem o Estado, mas ele tem a razão de Estado, que é irracional. E ele sabe utilizar este recurso, que é a propaganda. Aí surge a questão ética: até onde a mídia deixa de ser noticiosa – e levar o saber para a sociedade – e se transforma em uma espécie de refém involuntário das duas razões de Estado?’, ponderou Romano. Na avaliação do filósofo, a mentira e falta de ‘informação veraz’ deveriam ser combatidas pelos jornalistas e por todos que têm interesse na liberdade de expressão e no diálogo.
Na operação que levou à morte do terrorista, há uma única fonte de notícias: o governo dos Estados Unidos. Dines questionou se o jornalismo brasileiro poderia ir além da divulgação das informações factuais e promover uma análise mais completa dos fatos. Para Claudio Bojunga, o grande déficit desta cobertura é o trabalho interpretativo. Já a opinião esteve presente de uma forma ‘esplendorosa’ e até irresponsável. Bojunga criticou a falta de questionamento sobre a legitimidade operação e a agressão aos direitos humanos. ‘Isso tudo não foi analisado. Havia muita opinião e decepção: ‘Obama era tão bonzinho…’. Isso é uma ingenuidade. O que se precisa é análise. Análise é aquilo que acompanha a notícia de uma forma madura, equilibrada, independente e se antecipa [aos fatos]. É isso que as pessoas procuram em um jornal e não encontram’, definiu o jornalista.
Outro tema discutido no Observatório foi o fato de o jornal ultra-ortodoxo judaico Der Tzitung, publicado em NovaYork, ter apagado de uma fotografia divulgada em todo o mundo a imagem de duas mulheres que acompanhavam na Casa Branca, junto ao presidente Obama, as operações no Paquistão. O jornal não publica imagens de mulheres e, com o auxílio de programas de tratamento de imagem, retirou da cena a secretária de Estado Hillary Clinton e Audrey Tomason, assessora de contraterrorismo da Presidência. No dia seguinte, Der Tzitung publicou um pedido de desculpas.
Para Dines, a situação mostra uma atitude ‘pré-medieval’ e sublinhou que a intoxicação ‘religiosa’ está prejudicando o racionalismo em plena Era da Ciência. Romano concordou com a avaliação de Dines: ‘Quando você tem o fanatismo religioso que se traveste e se radicaliza em ideologia, todos os banditismos são permitidos’.
História instantânea
A compulsão do mundo moderno em ‘fazer a história instantânea’ também foi debatida no programa. Roberto Romano comentou que estudos apontam que as sociedades contemporâneas herdaram dos gregos a idéia de que é preciso decidir rapidamente. ‘Portanto, tudo tem que ter uma dimensão cada vez mais acelerada em termos de tempo. E o olhar exerce um papel fundamental nisso’, explicou o filósofo.
No caso dos protestos a favor da divulgação das imagens do terrorista morto, do ponto de vista ético se revela, segundo ele, o mais baixo do ponto de vista humano: o ato de se regozijar com um cadáver ultrajado. É o desejo de ‘ver o mal’. Esta busca pela rapidez pode levar a impasses, uma vez que ‘a nossa cultura é extremamente espacializada e nós já dominamos o espaço completamente’, disse Romano. ‘Aonde nós iremos a partir de agora? O que nós teremos que produzir a partir de agora para que a curiosidade seja mantida? Para que a notícia seja vendida?’.
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Jornalista