Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Concorrentes convergentes

A disputa pelo mercado publicitário e pela audiência esportiva, com óbvia ênfase ao futebol, não evita que os principais canais de TV por assinatura adotem estratégias idênticas para conquistar adeptos. Até nas suas omissões, como o delay (atraso dos sinais de áudio e vídeo nas transmissões eletrônicas) das emissoras abertas para as fechadas, e das fechadas para as de alta definição, elas convergem para um notório cartel, ainda que circunstancialmente pareçam duelar. (São aproximadamente cinco segundos de delay da TV por assinatura para a aberta, e mais cerca de dois segundos da HDTV para a fechada. Isto significa que, apesar da imagem superior, quem tem alta definição só toma conhecimento do gol cerca de sete segundos depois que seu vizinho com TV aberta já está comemorando. Em se tratando de esporte, em que a emoção é fator preponderante, a perda de qualidade é considerável.)

Ambos os canais também investem em ‘descontração’ na apresentação de seus programas diários. Mas enquanto esta ênfase ao bom humor beira o infantilismo no SporTV, por seu tom mais despolitizado, na ESPN quase sempre deriva para a autopromoção, do tipo: ‘PVC, você cantou muito bem’, ‘Mauro, sua imitação dos Beatles foi memorável’ (aspirando a cult, beira o besteirol). A ESPN adota uma linha mais crítica, com maior interatividade, mas essas duas características são monitoradas pela política editorial da empresa.

É fato que o SporTV cobre o Campeonato Paulista, o Brasileirão e a Libertadores, além da Copa do Brasil, também transmitida pela ESPN, que se dedica aos campeonatos internacionais mais importantes, valendo-se da parceria com a rádio Estadão para cobrir as outras competições, com resultado rudimentar (ouvir a voz do técnico enquanto a concorrente está dando o vídeo denota atraso tecnológico; na verdade trata-se de questão contratual). A ESPN compensa a eventual limitação logística com um melhor time de comentaristas: são mais bem informados; um exemplo disso viu-se nas quartas de final do campeonato paulista, quando o Bate-Bola informou com exclusividade que um resultado de empate em quaisquer dos jogos alteraria os cruzamentos das partidas semifinais. O SporTV ignorou este detalhe fundamental do regulamento em todos os seus programas e ao longo das partidas.

O teorema da cultura popular

Outra vantagem do Bate-Bola é que seus participantes assistem a todos os jogos, o que não ocorre no Troca de Passes (para os descontentes, ‘Droga de Passes’), que só acompanha as competições de suas respectivas praças e na hora de opinar sobre as outras tergiversa livremente, prejudicando o debate. Mas o Bate-Bola precisa superar a arrogância que vem com a superioridade: não é porque os comentaristas de arbitragem erram – como todos nós – que devam ser completamente desautorizados.

Alguns narradores acreditam que um bordão lhes dará a posteridade. Um deles passou um jogo inteiro chamando o juiz Busetti de ‘Bucetti’, sem que ninguém na emissora lhe avisasse que o ‘s’ entre vogais tem som de ‘z’. Nenhuma importância, não fosse esse locutor responsável por ridicularizar os jogadores com um ‘meu Deeeus’ e ‘que beleeza’ cada vez que eles erram um chute ou furam uma jogada. Conclusão: o atleta não pode falhar, o jornalista pode.

Mesmo observando que os comentaristas egressos do SporTV na ESPN evoluam, e que os vice-versa involuam, com a perda de liberdade para críticas, permanece um ponto em comum entre os profissionais dos dois canais: o prognóstico do enfrentamento entre times costuma ser um desastre. Como são obrigados a opinar quase sempre aos três ou quatro minutos do jogo, ou no início de um campeonato, falta-lhes simplesmente a humildade de submeter-se ao elementar, mas complexo e irrefutável, teorema da cultura popular, segundo o qual ‘o futebol é uma caixinha de surpresas’.

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Jornalista