Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo e propaganda

“Com a liberdade de imprensa, os jornais só publicam aquilo que a grande indústria e os bancos querem ver impresso, porque são eles que pagam os jornais” (Benito Mussolini)

Todo mundo sabe como Benito Mussolini resolveu isso: como gostam de fazer todos os ditadores, de esquerda ou de direita, aboliu esse estorvo e implantou na imprensa o discurso único do seu partido e seu governo. A Itália, de uma hora para outra, foi povoada apenas por boas notícias: os trens chegando no horário, a grandeza e o avanço do império sobre o mare nostrum, o saneamento do Vale do Pó, a Carta del Lavoro etc., etc. etc. Nem corrupção, nem lutas fratricidas dentro do partido, nem as derrotas na guerra, nem a história de Ida Dalser e Benito Albino Dalser, a mulher e o filho secretos de Mussolini, internados e mortos em manicômios.

Só notícias boas.

Claro que não há termo de comparação entre o ex-presidente Lula (ex, ainda que tentando governar por interposta pessoa) e Mussolini ou qualquer ditador, mesmo porque os regimes políticos e os tempos são outros. Lula, em oito anos de governo, nunca agiu contra a liberdade de imprensa, ou porque não quisesse ou porque não pudesse, mas em centenas de manifestações, discursos, comícios, entrevistas, chorilhos e diatribes, nunca deixou de manifestar a concepção daquilo que ele, e uma grande parte de seus acólitos, entende que deveria ser a função da imprensa: falar bem do governo e exaltar aquilo que ele faz de bom.

Fantasma conveniente

Toda vez que abre a boca, Lula se investe no papel de Supremo Ombudsman da imprensa brasileira e sai a recitar conselhos. Nesta semana, ao visitar o hospital de traumatologia dona Lindu, na Paraíba, ensinou que se a imprensa não quer elogiar um hospital que está cumprindo a sua obrigação de atender as pessoas, é justo que o governo gaste dinheiro em publicidade para “falar das coisas boas”.

Os partidários de Lula dizem que a imprensa o critica mas não aceita ser criticada por ele. Mais do que um argumento, esse é um falso aforismo que disfarça uma falácia lógica e uma desonestidade intelectual porque o que Lula critica não são casos pontuais de eventuais informações erradas publicadas por ela, mas a própria essência de seu papel de vigiar o poder. O que irrita Lula não são eventuais erros da imprensa, mas a sua própria existência e o exercício que ela faz de sua independência.

Todo poder gostaria de ter uma imprensa que mostrasse o mundo cor-de-rosa e escondesse as suas mazelas. Alguns através da coerção da censura, como o governo cubano, outros, como o presidente do Equador, através da coerção moral e econômica, e outros, como Lula, através de uma campanha sistemática de descrédito e menosprezo.

A tese que Lula defendeu no hospital dona Lindu mostra bem que ele finge não entender a diferença entre jornalismo e propaganda. Não que ele não entenda. Mas é que é conveniente para ele, politicamente, agitar esse fantasma.

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[Sandro Vaia é jornalista, autor de A Ilha Roubada (Editora Barcarolla), sobre a blogueira cubana Yoani Sánchez]