Ler revistas femininas é algo do qual ninguém escapa, seja na sala de espera de um consultório médico, seja num salão de beleza ou até mesmo na sua casa (por que não?). Há algumas publicações interessantes no mercado, mas eu só posso falar daquela que leio com certa regularidade: a Marie Claire. O slogan da revista publicada pela Editora Globo até que promete: ‘Chique é ser inteligente’. Com isso, presume-se que dentro das páginas de Marie Claire possamos encontrar artigos que ultrapassem o universo de futilidades típicas das ditas ‘publicações femininas’ e suas fofocas sobre celebridades, editoriais de moda e resenhas de best-sellers de autoajuda. Contudo, já no editorial escrito pela diretora de redação Mônica Serino, no número de maio/2011 da MC, sentimos que o transtorno de dupla personalidade que acomete vários veículos de comunicação infelizmente também se abateu sobre a revista.
Serino começa o texto do editorial celebrando os 20 anos da Marie Claire no Brasil e comemora o fato de, em 2001, ter ‘inaugurado’ com Xuxa o que ela chamou de ‘fase de celebridades’ nas capas da publicação. Em seguida, faz algumas observações técnicas sobre a ‘sofisticação gráfica’ e a ‘linguagem visual elegante’ da MC, rendendo-se, obviamente, ao apelo poderoso da imagem, quando deveria, em tese, deixar isso em segundo plano. Texto e conteúdo deveriam ser a prioridade absoluta de uma revista que prega a inteligência como condição sine qua non para pertencer a um nicho de mercado mais exigente.
Um drama e um editorial de moda
A edição de maio até que traz boas reportagens: destaco a matéria sobre o fenômeno pick up artists, tema inédito na imprensa tradicional, e também a reportagem sobre uma adolescente transexual vítima de bullying, além de uma reportagem com fotos magníficas sobre o Vietnã, um destino de viagem um tanto quanto peculiar. O problema é que, no editorial de Mônica Serino, não há uma linha sequer chamando a atenção das leitoras para o que a Marie Claire ainda tem de diferencial em relação a outras publicações voltadas para as mulheres. Serino encerra sua ‘Carta do Editor’ citando apenas a inauguração de uma nova seção, batizada de Lifestyle, que, segundo ela, integra ‘três temas que amamos: viagem, culinária e decoração’. Vejo aqui, portanto, uma aproximação do que já é clichê nas pautas de outras publicações como Cláudia, Elle e Nova que, como é de praxe, deixam para suas páginas finais as matérias sobre destinos turísticos, receitas e ideias para a casa.
Nem mesmo o depoimento de uma professora sobrevivente da tragédia na escola do bairro Realengo, do Rio de Janeiro, mereceu destaque por parte da diretora de redação. Tal tema, provavelmente, poderia ser considerado um ‘furo’ jornalístico, já que ainda não havia sido mostrado com tal profundidade: o ponto de vista da professora que estava na sala de aula e, em pânico, fugiu do atirador deixando outros alunos lá dentro. O drama dessa mulher – e o peso que carrega – mereceria mais destaque por parte da chefia de redação. Contudo, para uma revista que passa por uma visível crise de identidade, faz mais sentido destacar no índice um editorial de moda intitulado New Tweed, que traz modelos tão jovens que mais parecem figurantes do seriado adolescente Malhação. Chega a ser constrangedor que meninas tamanho 34, magérrimas a ponto de suas mãos parecerem desproporcionadamente gigantes perto de suas cinturinhas minúsculas, façam parte de um editorial de moda teoricamente voltado para mulheres de 25 a 40 anos.
Apenas ‘mais do mesmo’
A Marie Claire, como muitos sabem, é uma publicação internacional que faz parte da história da imprensa, tendo atravessado quase todo o século 20 como a primeira revista feminina voltada a encorajar as mulheres a buscarem autonomia e desenvolvimento pessoal. Foi criada na França em 1937 por Jean Prouvost com periodicidade semanal. Durante a ocupação germânica, em 1942, as autoridades francesas cancelaram a distribuição de várias publicações, incluindo a MC, que retornou às bancas apenas em 1954, já com periodicidade mensal. Nos anos 1990, começou a ser publicada também no Brasil e nos Estados Unidos, sempre com a proposta de prover as leitoras mais intelectualizadas com matérias de caráter jornalístico, buscando, principalmente, confrontar aspectos socioculturais de diferentes povos e de outras realidades.
No site da Marie Claire Brasil há uma página dedicada a relembrar as melhores matérias dos 20 anos da publicação brasileira. Vale a pena conferir, por exemplo, uma reportagem de 1993 sobre as diferentes cerimônias de casamento nas tradições cristã, judaica, cigana, islâmica: entre fotos magníficas e texto primoroso, como leitoras nos sentimos brindadas com o melhor que o jornalismo pode oferecer.
Uma lástima que, 20 anos depois, a futilidade pareça ter vencido. No site da Marie Claire brasileira, há a seguinte lista de tópicos na página inicial: moda, desfiles, beleza, vídeos, divirta-se, entrevistas, sexo, e (o horror dos horrores) gurus e horóscopo. Com a esperança de que o link ‘entrevistas’ pudesse direcionar para uma bombástica e reveladora conversa com alguém realmente relevante nos cenários nacional ou mundial, encontro apenas mais uma série de matérias voltadas para os mundos da moda, da beleza e do balacobaco de celebridades. Nenhuma linha sequer realmente ‘inteligente’, termo tão propagado no slogan da revista.
A crise de identidade pela qual passa a Marie Claire tem o sabor amargo da derrota: estamos perdendo, talvez, um dos últimos espaços em que a reportagem, o texto, o conteúdo e o ‘furo’ ainda tinham importância e destaque no mercado editorial voltado para o público feminino. A revista está-se tornando-se apenas ‘mais do mesmo’, ampliando o espaço para a moda e a beleza (e suas tendências altamente discutíveis) em detrimento das reportagens que um dia consolidaram a marca Marie Claire, a revista feminina mais respeitada do mundo.
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Professora, tradutora e bacharel em Comunicação, São Marcos, RS