É uma profissão que passa seu tempo a auscultar os outros mas ignora quase tudo de si mesma. Na França, o instituto Technologia resolveu saber mais sobre os jornalistas franceses num momento em que esses profissionais se sentem fragilizados e se questionam sobre o futuro da profissão, ameaçada pela diminuição do número de leitores de jornais e pelas receitas publicitárias cada vez mais magras.
Os analistas costumam apontar a internet como o vilão da decadência da imprensa escrita e do jornalismo tal como o conhecemos até hoje. Mas a crise é estrutural, diz um estudo francês publicado pela revista Marianne. Ao divulgar as conclusões da pesquisa do instituto Technologia, o diretor de Marianne, Denis Jeambar, se pergunta se em vez de ser o vilão da morte da imprensa, a Web não constituiria, “ao contrário, o ideal democrático da informação para todos ao alcance de um clique”. Segundo ele, o que a imprensa francesa chama de printemps arabe (primavera árabe) é a prova de que povos mais educados, e consequentemente mais bem informados, se revoltam contra ditaduras utilizando todos os meios modernos da comunicação. Assim, Al-Jazira foi um starter quase tão importante quanto o Twitter, o Facebook ou os smartphones na origem desse vento de liberdade. Sendo assim, novos meios são a melhor rima para liberdade.
A pesquisa que o instituto Technologia realizou, juntamente com o Sindicato dos Jornalistas, para avaliar o trabalho real dos jornalistas na França tinha por objetivo avaliar os laços entre democracia e qualidade de informação. Para isso, ouviu 1.070 jornalistas, que responderam aos questionários enviados aos 7 mil profissionais que possuem uma carteira de imprensa.
Princípio sagrado
A primeira constatação é que a profissão trabalha submetida a um enorme estresse. A segunda é que, graças aos novos meios como Twitter, Facebook e os smartphones, “os jornalistas não são mais os únicos a tratar as notícias e os acontecimentos podem abrir mão desses profissionais para serem divulgados”. Sendo assim, há risco real para a profissão de jornalista? Segundo os estudiosos, já estamos vivendo essa realidade em que na internet floresce o que os franceses chamam de “jornalismo cidadão”, de geração espontânea. Os jornalistas profissionais são cada vez mais criticados por conivência com as fontes, por aceitarem as pressões e as regras do jogo político, econômico e comercial das empresas em que trabalham.
Entre os jornalistas ouvidos por Technologia, os da imprensa escrita são os mais fragilizados: 62% dos profissionais da imprensa escrita veem a evolução da produção e do consumo da informação como uma ameaça; essa percepção baixa para 40% entre os profissionais de rádio e 32% entre os de televisão.
É bom lembrar que a imprensa escrita na França recebe anualmente 1,8 bilhão de euros do Estado. Se essa ajuda primordial for suprimida, muitos jornais que hoje sobrevivem com grande dificuldade simplesmente fechariam. Os números não são nada animadores: no primeiro trimestre deste ano, as vendas dos jornais diários caíram 4,5% em relação ao mesmo período de 2010. A própria Marianne, respeitada revista de esquerda, fundada por Jean-François Kahn e Maurice Szafran em 1997, nunca conseguiu ultrapassar os 50 mil exemplares semanais.
Uma das principais reclamações dos jornalistas ouvidos é a degradação das condições de trabalho pela multiplicação das tarefas em nome da racionalização dos custos. Evidentemente, os jornalistas aceitam as imposições para preservar seus empregos. “A rapidez e a emoção se tornam as regras de um jogo que nada tem a ver com a pesquisa da qualidade da informação”, escreve Denis Jeambar.
O diretor-geral de Technologia, Jean-Claude Delgènes, defende os profissionais da comunicação que, segundo ele, acabam sendo os bodes expiatórios pelo mal-estar da sociedade francesa. Para ele, os meios de comunicação são um elemento fundamental na democracia e seria muito perigoso diminuir sua importância. Marianne enfatiza que a liberdade de imprensa nunca está totalmente garantida e é consubstancial à democracia, como lembrava Victor Hugo quando escreveu: “O princípio da liberdade da imprensa não é menos essencial nem menos sagrado que o princípio do sufrágio universal; são dois lados da mesma moeda.”
“Efeito direto sobre a cidadania”
Estaria a imprensa realmente ameaçada pelas novas mídias? A resposta é “sim”. Segundo Marianne, nos Estados Unidos, pela primeira vez no mundo da edição, o número de livros digitais vendidos em 2011 ultrapassou os livros de bolso. A revista imagina que os jornais vivem a mesma ameaça.
O premiado e mundialmente célebre jornalista Bob Woodward é categórico: “Na lápide do diretor-presidente da Google deveria se escrever: `Eu matei os jornais.´” E conclui: “O sistema é obcecado pela rapidez, pela obrigação de responder a uma pseudo-impaciência do público, enquanto este mundo complexo tem necessidade de um jornalismo de grande qualidade, que exige trabalho e investigação em profundidade. Não se faz uma reportagem por telefone ou surfando na internet.”
Com as mudanças impostas ao trabalho do jornalista, Technologia detectou uma insatisfação generalizada entre os profissionais: 46% admitem não ter tempo de se recuperar entre dois períodos de trabalho particularmente difíceis; 68% pensam que têm de trabalhar mais rapidamente que antes; 73% dizem que a carga de trabalho aumentou nos últimos anos; 55% dizem que a atividade profissional tem um impacto negativo sobre a saúde e 88% dizem que ficaram estressados ou extremamente cansados por seus trabalhos nos últimos 12 meses.
Technologia conclui: “A degradação das condições de trabalho dos jornalistas tem um efeito direto sobre a maneira como os cidadãos pensam a atualidade e o bom andamento da sociedade. O enfraquecimento dos jornalistas como trabalhadores vem enfraquecendo a democracia como modelo político.”
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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]