Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mobilidade social influencia opinião pública

Não existe política sem visibilidade, nem mídia sem pauta política. Uma e outra são absolutamente dependentes. A novidade que se observa, no contexto atual da política e a opinião pública, é a questão da vivência. Porque ocorre uma mudança geral do país, as pessoas que usufruem dos benefícios das ações políticas do governo hoje opinam favoravelmente sem nem mesmo circular na internet ou ter acesso aos meios de comunicação. Esses aspectos, de acordo com a professora e pesquisadora em Comunicação e Política Maria Helena Weber, são significativos para formar a opinião do eleitor e por isso vimos que o modo como a grande mídia aborda a política não vem se refletindo nas pesquisas de intenção de voto.

Maria Helena Weber é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tem mestrado em Sociologia e doutorado em Comunicação. É coordenadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação da UFRGS. Secretária da Associação de Pesquisadores em Comunicação e Política – Compolitica. Pelo CNPq, desenvolve o projeto de pesquisa ‘Sistemas e Estratégias de Comunicação do Estado Brasileiro, Entre a Visibilidade e o Interesse Público’. Autora do livro Comunicação e Espetáculos da Política (2000) e co-organizadora dos livros Estratégias e Culturas da Comunicação (2002), Tensões e Objetos da Pesquisa em Comunicação (2002) e Livro da XI Compós estudos da comunicação (2003). É escritora.

Leia sua entrevista.

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‘Há uma mudança de padrão de comportamento’

A abordagem da mídia brasileira sobre a política não tem se refletido nas pesquisas de intenção de voto para as eleições de outubro. Quem e como está formando a opinião do eleitor?

Maria Helena Weber – Acho que pelo menos na Universidade e nos centros de pesquisa que trabalham com Comunicação e Política já se ultrapassou essa ideia de dominação, ou seja, de opinião pública formada pelos jornais, pelas revistas, pela televisão. Isto estaria dentro de uma teoria chamada hipodérmica, na qual as pessoas estão sujeitas a tudo aquilo que a poderosa mídia disser, sem pensamento, sem opiniões, sem vivências.

Dito isso, se pode verificar no Brasil alguns aspectos. Num deles, que faz parte de minha pesquisa, estão as complexas, grandes e qualificadas estruturas de comunicação que os poderes – o Executivo, especialmente – montaram em função de fazer sua própria comunicação. Isso é legítimo e há uma enorme produção de informações, notícias, de propaganda, de prestação de serviços, de produção de eventos. A quantidade de informações que circula nessa mega rede, com profissionais qualificados, com equipamentos e alta tecnologia, compete diretamente com a produção de informações da mídia. Tem uma audiência, um acesso permitido à comunicação gerada pelo governo.

O outro aspecto é que a internet possibilita a circulação, as informações de larga escala e de modo incontrolável de grupos, digamos, em torno de determinado candidato, de determinadas ações do governo, ou do Legislativo, do Judiciário. Então, é outro status de circulação de opinião.

Acho que especialmente as pesquisas de aprovação do presidente [Lula] refletem o que chamamos a questão da vivência. Então, temos uma mudança geral do país – e não sou eu a dizer isso, estão aí as estatísticas nacionais, internacionais, de que há uma mudança de padrão de comportamento, de consumo, de vida, de padrão econômico, no plano da Educação. São muitos projetos políticos, como o Bolsa Família, o Prouni, aumento dos investimentos em pesquisas, casa própria e assim por diante. É uma longa lista. Essas ações políticas são vivenciadas, ou seja, as pessoas que usufruem dos benefícios destas ações políticas vão opinar favoravelmente. Então, elas não precisam nem circular na internet, nem ter acesso aos meios de comunicação, nem mesmo ler aquilo que o governo faz. Acho que esses três aspectos são significativos para formar uma opinião.

A mídia seria um quarto ponto – sendo que nenhum deles é maior que o outro – e tem a ver com a informação que circula pelos veículos, que atinge determinados líderes de opinião.

‘A estratégia de desqualificar um candidato’

Nesta campanha, a mídia vem atuando como partido político?

M.H.W. – Eu não gosto e não uso essa classificação. Primeiro, porque para ser um partido político tem que ter um projeto político, um projeto de governabilidade, uma ideologia de representação. O que eu acho que a mídia está fazendo – fora alguns veículos que se posicionaram formalmente às eleições, como a [revista] CartaCapital, por exemplo – é não defender o candidato que eles gostariam, mas desqualificar e desconstituir o outro. Esta tem sido uma estratégia que eu nunca vi, antes, de modo tão ostensivo.

Quando a gente diz que a mídia se comporta como um partido político, podemos estar simplificando uma questão que eu acho muito complexa. A mídia defende determinados interesses políticos, defende o seu próprio negócio, ou não se agrada de um projeto político, mas não propõe outro, apenas o desqualifica.

Por outro lado, acho que a mídia continua cumprindo o seu papel de vigilância, de denúncia, acompanhamento etc. Como ela faz isso, como ela associa determinadas denúncias aos candidatos, bom, aí é onde a gente pode verificar a estratégia de desqualificar um candidato em prol de outro.

Mas eu não acho que os meios de comunicação estejam, agora, agindo como partido político, porque aí nós teríamos que pensar em muitos partidos, o partido da [Rede] Bandeirantes, o partido da [Editora] Abril, o partido da Folha de S.Paulo, o partido do Estado de S. Paulo. Acho que isso seria simplificar a questão, que é bem mais complexa em função da centralidade que os meios de comunicação têm de dar oportunidade de visibilidade a quem eles permitem, apesar da legislação.

‘A dependência entre mídia e política é absoluta’

Os veículos de comunicação brasileiros deveriam se posicionar claramente sobre suas posições políticas (esquerda/centro/direita) ao invés de se autointitularem ‘imparciais’?

M.H.W. – Há o mito da imparcialidade da imprensa. É claro que para alguns não existe. Acho que os veículos deveriam se posicionar em relação a determinados candidatos ou partidos – se posicionar à esquerda ou à direita é complicado, por não identificarmos esses limites – e assim não precisariam desconstituir o outro. Mas nós não temos a tradição de uma imprensa posicionada. Se olharmos a CartaCapital, que já declarou seu voto, por exemplo, veremos que mesmo tendo aberto voto ela não está fazendo a defesa do governo.

Existe equilíbrio no relacionamento entre política e mídia, ou uma se beneficia em detrimento da outra?

M.H.W. – Acho que elas são mutuamente dependentes. Não existe, hoje, política sem visibilidade. A política tem que fazer a prestação de contas, os poderes têm que fazer a promoção de projetos políticos. Essa mega estrutura que eu falava, de comunicação, é uma prova disso. Então, não tem como as fazer existirem sem que haja essa ligação.

Por outro lado, só o governo falar sobre si será suspeito, por mais correta que seja a informação. A mídia vai servir sempre como um balizador, por mais que ela faça aquilo que o governo ou os partidos não gostem. Na mídia, existe a possibilidade do contraditório, que a informação do governo não permite.

Mas a mídia é absolutamente dependente do político. Dos investimentos do governo, das verbas para propaganda e da própria matéria política. Imagine um jornal ou uma TV sem essa pauta. Não existe. Assim como a política está profundamente entrelaçada com a nossa vida, ela está também com o funcionamento da mídia. Elas são dependentes, não há possibilidade de ser diferente. Num regime autoritário, por exemplo, a primeira coisa que se faz é calar a mídia, por mais que ela tenha sido consorciada em algum momento. Então, a dependência é absoluta de um e de outro.

Mecanismos de privilegiamento da ética

A convergência das mídias impõe a criação de um novo marco regulatório para as comunicações. Que regras poderiam ser criadas para equilibrar a relação entre mídia e política? Ou essa relação não deve ser regrada?

M.H.W. – Acho que tanto as associações como os sindicatos, quanto a Conferência Nacional de Comunicação [Confecom], buscam regras, formas de observação da produção de comunicação e daquilo que é o comportamento da mídia. O que alteraria essa situação, primeiro, é termos um maior número de mídias com mais espaço para circulação de outro tipo de opinião, outras propostas editoriais. Mais mídias.

Por outro lado, existe a busca por uma legislação que possa de alguma maneira controlar os abusos de um lado e de outro. Assim como não podemos permitir que a política e os governos dominem os meios de comunicação, não podemos permitir que esses meios, por exemplo, mintam sobre os governos. Temos que privilegiar que ambos exerçam o seu papel.

Um exemplo é a quantidade de pesquisas, teses e dissertações que nós [meio acadêmico] temos sobre meios de comunicação e os domínios, comportamento, fazendo vistorias sobre a mídia, sobre o jornalismo, a política, a propaganda. Essa produção toda de pesquisa está disponível, mas é algo que não aparece, não interessa nem aos meios de comunicação, nem à própria política. Acho que um acerto seria uma relação mais particular, mais consequente entre a produção de pesquisa acadêmica sobre os meios de comunicação e aqueles que a usam.

Penso que tem de haver mecanismos de privilegiamento da ética, de controle do investimento – a questão econômica, por exemplo –, de quem detém o poder da mídia.

As redes sociais são a mudança

Quais as principais semelhanças e diferenças do comportamento da grande mídia no período de processo eleitoral atual e no anterior? A entrada da internet como meio de campanha, no Brasil, já define mudanças significativas no comportamento do eleitor?

M.H.W. – Eu só poderia fazer essa avaliação de modo mais assertivo depois, visto que as eleições ainda estão em andamento. Mas acho que sim, a internet altera a relação com os candidatos, o processo eleitoral, a partir do momento que ela começa a criar novos grupos, via blogs, via twitter, enfim.

Em todas as mídias sociais, novos grupos de debates e críticas foram sendo fortalecidos. Isso quer dizer que há outra dimensão de informação e de opinião – eu me fortaleço no grupo que eu circulo, que é diferente do cara que lê o jornal e comenta com o cara de outro grupo.

Acho que nessas eleições uma mudança é a questão das redes sociais e também o uso que os partidos e os candidatos estão fazendo desse status. É possível ter acesso à campanha via internet, atividades, agenda, de maneira bem mais qualificada do que era antes. A grande mídia, de maneira geral, mostra um pouco de desconforto, digamos, diante da possibilidade de continuidade deste projeto político do governo atual.

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Da Redação do FNDC