Os jornais de quinta-feira (4/8) destacam um trecho da medida provisória publicada na véspera pelo governo federal, na qual são definidas as regras do programa intitulado Plano Brasil Maior. Trata-se de um pacote de incentivos fiscais destinado a melhorar as condições de competitividade de alguns setores industriais muito afetados pelas importações.
A imprensa já havia destacado, no dia anterior, reações positivas do empresariado, que elogia a iniciativa de defesa da indústria nacional. Mas há detalhes a serem esclarecidos, mesmo porque o conjunto de medidas ainda compõe um projeto experimental a ser testado pela realidade do mercado.
Um deles: que setores da sociedade serão afetados pelo corte de R$ 20 bilhões previsto na arrecadação federal até 2012? Parte desse volume, representado pela concessão de benefícios fiscais a indústrias, deverá ser coberta por uma taxa de 1,5% a ser cobrada sobre o faturamento das empresas incluídas no projeto piloto. Mas essa compensação não deverá ser suficiente. Já se sabe, por exemplo, que o governo terá de cobrir a perda de receita da Previdência.
Alvo certo
Os setores de confecções, calçados, móveis e tecnologia da informação, que terão reduzida a zero a alíquota de 20% sobre a folha de pagamento, serão observados como modelo de uma reforma mais ampla ainda em planejamento.
A indústria brasileira de TI (tecnologia da informação), que nasceu e cresceu atrofiada pelo protecionismo durante o regime militar, agradeceu efusivamente ao governo, em anúncio de página inteira nos jornais. Mas o setor que mais benefícios deve receber no pacote de incentivo anunciado é a indústria automobilística. As empresas do setor que aumentarem o conteúdo de componentes e peças nacionais, investirem mais e produzirem veículos inovadores, terão reduzido o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que hoje tem uma alíquota máxima de 45%.
Um detalhe apresentado pelo jornal O Estado de S.Paulo chama atenção para o que pode ser uma contradição: todo o parque industrial automobilístico do Brasil é composto por empresas multinacionais, principalmente de origem européia, americana e japonesa. Portanto, a iniciativa do governo, saudada pela imprensa, tem como alvo os concorrentes chineses e coreanos.
O esquecido transporte público
Não fica muito claro, para o leitor mais distraído, que diferença faz o novo programa do governo em relação aos incentivos inaugurados há vinte anos pelo ex-presidente Itamar Franco, ao estimular a produção dos carros populares.
A questão é importante porque se sabe que, mesmo com os incentivos concedidos nesse período, o preço do carro vendido no Brasil é muito mais alto do que em mercados similares, como o México.
Mas os detalhes das reportagens informam que, desta vez, a concessões exigem contrapartidas: para se habilitar ao benefício, as empresas terão de investir em inovação e desenvolver a engenharia automotiva no Brasil em vez de importar e montar modelos prontos. Os detalhes dessas exigências ainda não foram definidos pelo governo, mas sabe-se que o objetivo é controlar os benefícios segundo a disposição das empresas de equiparar o setor automotivo brasileiro aos de suas matrizes.
Sabe-se, por exemplo, que a maioria dos carros vendidos no Brasil oferece como acessórios especiais itens de segurança, conforto e controle ambiental que são obrigatórios nos países de origem das multinacionais. Além disso, os preços por aqui são muito mais altos do que em outros países, para modelos semelhantes, e a razão nunca foi a carga tributária ou os direitos trabalhistas dos operários. A grande diferença nos preços vem da margem de lucro exorbitante colhida no Brasil e utilizada pelas subsidiárias para cobrir as perdas de suas matrizes nos Estados Unidos e na Europa.
Por último, mas não menos importante, não se lê nos jornais nenhum questionamento das políticas oficiais no que se refere a medidas que, no fim das contas, vão continuar estimulando o transporte individual e o aumento da frota de automóveis nas ruas.
Para o bem da economia nacional, uma política industrial realmente eficiente deveria incentivar as micro e pequenas empresas. Para o bem-estar da imensa maioria dos brasileiros, para um ambiente mais saudável nas cidades, uma política de incentivo à indústria deveria priorizar o transporte público.