Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O dia depois de ontem

O noticiário sobre o derretimento dos mercados globais de ações, ocorrido na quinta-feira (4/8), é um verdadeiro teste de qualificação para os jornais. Em meio a um cenário de hecatombe, no qual estava difícil identificar uma informação positiva sequer, os editores batiam cabeça no final da tarde, segundo jornalistas de um dos principais diários de São Paulo.

A hipótese de um colapso total chegou a ser discutida em algumas redações, embora, a rigor, nenhum jornalista acredite no fim do mundo, pelo simples fato de que sempre terá que haver um dia seguinte para as pessoas lerem nos jornais as melhores descrições do Armagedom.

Uma olhada retroativa nos principais boletins que chegaram à imprensa ao longo do dia pode fazer o leitor curioso imaginar como os editores chegaram às manchetes das edições de sexta-feira (5/8).

Fragilidade fiscal

A quinta-feira começou com os boatos de que, para recuperar alguma capacidade de diálogo, o presidente Barack Obama seria obrigado a tirar do cargo seu secretário do Tesouro Tim Geithner, fragilizado pela sucessão de crises que vem tendo que enfrentar. A imprensa americana tinha até mesmo uma aposta: o provável sucessor seria Jon Corzine, ex-governador de Nova Jersey, democrata entusiasta de Obama, porém grande simpatizante de Wall Street e ex-presidente do grupo Goldman-Sachs.

No Brasil, os investidores esperavam a divulgação do índice do IPC, que mede a variação de preços para o consumidor em São Paulo, além dos indicadores do nível de emprego nos Estados Unidos e algum vazamento de informação sobre a série de reuniões entre o Banco Central Europeu e o Banco da Inglaterra para a definição das políticas monetárias na região.

Ao mesmo tempo, analistas digeriam os dados do projeto de política industrial ensaiado pelo governo brasileiro, com especial preocupação em relação às ações da Souza Cruz, por conta do aumento na taxação do cigarro.

Nos Estados Unidos, o mercado de ações amargava o oitavo dia seguido de queda, e os especialistas ainda não haviam digerido completamente as consequências do acordo obtido no Congresso em relação ao teto da dívida americana.

Os analistas estavam na situação que os operadores americanos chamam de overload, ou seja, a incapacidade de formular uma reflexão por causa do excesso de informações.

Foi nesse contexto que caiu nas redações a notícia de que o Banco Central Europeu havia comprado títulos de países em crise, como Portugal e Holanda, rejeitando Itália e Espanha, sinalizando com a admissão de fragilidade fiscal a zona do Euro.

Em busca de segurança

Ninguém sabe o que detona o efeito manada nas bolsas de valores, mas pode-se constatar claramente que o mercado tem um comportamento biológico. Tanto pode gastar o dia pastando bovinamente como pode, sem qualquer motivo identificável, sair dando pinotes pelo campo.

O certo, como admitiam alguns jornais na sexta-feira, é que os investidores em ações andaram viajando no mundo da fantasia, iludidos pela rápida valorização de ativos financeiros após a derrama de dinheiro público no mercado, em meio aos remédios para a crise financeira de 2008. O calorzinho do mercado era febre, e febre é quase sempre sintoma de infecção.

Mas, afinal, quem estimula essas ondas de euforia? Os gerentes de investimento dos bancos geralmente misturam análises técnicas com as recomendações das metas que recebem de seus chefes, ou seja, a grande massa dos cidadãos que têm alguma folga para poupar ou investir acaba colocando seu rico dinheirinho em cima dos interesses de negócio do próprio banco.

Os que possuem dinheiro de verdade, em grandes volumes, dedicam mais tempo e recursos a administrar seu patrimônio, e notícia de jornal há muito tempo deixou de ser referência importante para eles. Contam com advisers capazes de alertar sobre os tsunamis e a própria quantidade de recursos acaba sendo um recurso adicional, porque pode ser espalhado por diversas opções.

E a imprensa?

O olhar retrospectivo sobre os cadernos de finanças dos jornais pode se revelar um momento de humor negro. Os jornais nem dissimulam sua dependência dos analistas vinculados a bancos e corretoras e suas análises geralmente se referem ao passado.

Quando o Banco Central Europeu deixou claro que não compraria títulos da Itália e Espanha, a reação do mercado foi de pânico, a começar pelos grandes bancos americanos.

No meio do dia, os boletins americanos anunciavam quedas enormes nas grandes bolsas do país. A manada estourou, fugindo do mercado de ações para títulos de governo.

Lição da semana: o mercado quer liberdade para fazer suas traquinagens, mas na hora do susto corre todo mundo para o colo do Estado.