A ideia deste livro nasceu em agosto de 2009, em Fortaleza, durante reunião dos coordenadores dos grupos de trabalho da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar). A partir da minha pesquisa Panorama do rádio em Belo Horizonte, propus à presidente da Alcar, professora Marialva Barbosa, a ampliação daquele projeto local, para que fosse feito um inventário do rádio em todo o país.
Com o aval da Alcar, o projeto foi levado ao Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) que, por meio do seu coordenador, professor Luiz Artur Ferraretto, acolheu a proposta e apoiou mais uma pesquisa em conjunto do grupo.
Dessa forma, nasceu este projeto de pesquisa que pretende mapear e inventariar todas as emissoras de rádio de todos os Estados e de todos os municípios brasileiros. Obviamente, trata-se de uma investigação de fôlego, que demandará tempo, paciência, disposição, garra e competência por parte dos pesquisadores envolvidos.
Para isso, planejamos um trabalho em várias etapas, começando pelo inventário do rádio nas Regiões Metropolitanas brasileiras, pesquisa que é apresentada neste livro. Depois, vamos partir para as grandes cidades do interior do país; em outra etapa para as cidades menores, até chegarmos a todos os municípios. Após esse trabalho, ainda como parte deste amplo projeto, pretendemos inventariar as emissoras de rádio brasileiras com existência apenas na internet, as webradios.
Má vontade
Para esta primeira etapa, na qual realizamos o inventário das emissoras de rádio de todas as Regiões Metropolitanas do país, formamos uma equipe de 53 pesquisadores que, de Norte a Sul do Brasil, saíram em busca de informações, realizaram entrevistas, checaram dados, vasculharam sites. É importante destacar que são pesquisadores locais, inseridos na comunidade, a maioria deles professores universitários, que realizaram a investigação. Apenas em quatro Regiões Metropolitanas não foi possível contar com gente da terra, mas a qualidade e a envergadura do trabalho realizado não inviabilizam os resultados.
Enfrentamos algumas dificuldades na realização desta pesquisa. A primeira delas foi a formação do grupo de investigadores, pois precisávamos de pelo menos um representante em cada Capital e também em Brasília. Fizemos convocações, pela internet, aos assinantes das listas do Grupo de Pesquisa em Rádio e Mídia Sonora da Intercom, Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) e Federação Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) e, assim, conseguimos montar a grande equipe de pesquisadores. Ao final deste livro, são apresentados breves dados biográficos de cada um dos 53 autores.
Depois, a principal dificuldade foi o levantamento dos dados, já que são poucas, ou inexistentes em alguns casos, as informações oficiais sobre algumas emissoras de rádio, com suas histórias, seus programas, suas trocas de proprietários, suas idas e vindas no dial. Em algumas situações, pesquisadores relataram que houve até má vontade explícita no fornecimento de informações, já que não havia interesse que determinadas histórias ou situações fossem desvendadas e publicadas.
Quadro fiel
É claro que um trabalho deste porte tem suas limitações, até pelo tamanho do nosso país e pela quantidade de capitais e de emissoras investigadas. De qualquer forma, é um primeiro passo, já que não existiam, até aqui, pesquisas com o objetivo específico de consolidar e publicar os dados de todas as emissoras de rádio brasileiras.
Neste livro, apresentamos as pesquisas realizadas em 27 cidades e suas Regiões Metropolitanas: Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Brasília, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Macapá, Maceió, Manaus, Natal, Palmas, Porto Alegre, Porto Velho, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Luís, São Paulo, Teresina e Vitória.
Nosso objetivo, com este trabalho, é contribuir para o avanço dos estudos e das pesquisas sobre a radiofonia no Brasil. Colabore conosco apontando informações que podem ser complementadas, falhas, pontos que ficaram obscuros. Ajude-nos a traçar um quadro fiel das emissoras de rádio do nosso país.
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Prefácio 1
Considerando que é história não apenas o que se passa no passado, mas tudo aquilo que do passado chega até o presente, podemos dizer que este livro é antes de tudo histórico.
Reunindo pesquisadores de todas as regiões do Brasil que, através de uma pesquisa minuciosa, traçam um panorama do rádio no Brasil desse início do século 21, inscreve definitivamente o trabalho realizado na duração. É um livro feito no presente para o futuro.
Diversos aspectos têm que ser considerados em relação à importância dessa obra. O primeiro diz respeito à forma como foi realizada: o livro reúne pesquisadores de 27 estados do país numa pesquisa verdadeiramente integrada e essa ação deve ser louvada, sobretudo, em tempos em que a maioria prefere a ação menos trabalhosa de reunir textos em obras organizadas, mas que não representam, de fato, um trabalho integrado de pesquisa.
O segundo aspecto diz respeito à forma como esta rede de pesquisadores foi constituída: graças à criação e a perseverança por existir da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia – Alcar foi possível reunir pesquisadores que tinham como ponto de convergência de suas pesquisas o rádio. Foi, assim, durante os Congressos anuais da Alcar que esta obra foi gestada e pode ser articulada, graças ao empenho e a liderança de Nair Prata.
Pesquisa densa
O terceiro aspecto a ser considerado diz respeito ao título desse livro: Panorama. Ainda que a palavra carregue a ideia de rapidez e imediatismo, Panorama do Rádio no Brasil se caracteriza exatamente por um sentido inverso. O panorama que aqui é apresentado diz respeito ao mais completo levantamento já feito sobre as características das emissoras de rádio de 27 Regiões Metropolitanas do país, permitindo visualizar, em toda a sua complexidade, o sistema de radiodifusão no Brasil do século 21. O panorama inclui, também, visualidades conceituais que induzem a pensar na duração e perenidade desse livro que, certamente, se tornará fundamental para os pesquisadores de comunicação. Panorama porque engloba, igualmente, uma visão holística que tenta dar conta da totalidade de um olhar que se esparrama por espaços variados e plurais, na busca de um elo que ligue cadeias formando um todo conceitual.
Quando variadas vezes enfatizamos que para se produzir estudos históricos dos meios de comunicação era necessário considerar os postulados da teoria da história, destacando a importância da noção de espaço e tempo sociais para os estudos que tinham natureza historiográfica, estávamos pontuando não a realização de estudos particularistas, mas a possibilidade de somente poder se passar às generalizações após realizar análises de espaços sociais específicos. Em história, a ação de generalizar é posterior a de produzir reflexões pontuais. Só é possível a generalização, se for levando em conta aspectos peculiares de cada espaço que não são meramente territórios, mas antes de tudo territórios históricos, isto é, lugares sociais com suas historicidades, peculiaridades e contextos específicos.
E esse é o grande mérito desse livro: dezenas de pesquisadores realizaram uma densa pesquisa da configuração das emissoras de rádio de diversas Regiões Metropolitanas do país no início do século 21 e a partir dessa análise se constrói, de fato, um Panorama do Rádio no Brasil.
A presença da vida
É por isso que remarquei, ao iniciar esse texto, o seu sentido histórico. Histórico, porque ao reconstruir a configuração das emissoras de rádio em diversos Estados brasileiros estão sendo tratados aspectos de uma historicidade de um tempo que, por um breve período, podemos denominar presente. Histórico, porque deixa impressa a forma de se realizar uma pesquisa integrada a partir da constituição de uma rede de pesquisadores. Histórico, porque marcado pelo sentido de perenidade, decorrente da importância das reflexões que estão contidas no livro.
Se as generalizações só são possíveis após a realização de análises pontuais, se o espaço a ser considerado diz respeito a um lugar de tramas sociais, a questão do tempo é também fundamental para qualquer análise que se pretenda histórica. A história cria mesmo uma espécie de terceiro tempo, entre o tempo cósmico e o da vida cotidiana, dominada pela ação do calendário que lembra incessantemente a sua passagem e a sua demarcação em antes, durantes e depois. A história remarca a existência de um tempo particular, o tempo histórico, que dominado pela idéia de passado, aponta inexoravelmente sua flecha em direção ao momento que denominamos presente e aquele que pensamos como futuro.
Assim, de um presente sempre transitório e incompleto, produz-se uma análise que descortina esse tempo incessante na direção de um futuro ainda encoberto. O rádio no Brasil, por outro lado, nos leva a pensar na constituição de processos comunicacionais na longa duração, na marca dominante de práticas da oralidade, nas misturas nos modos de comunicação, nas milhões de pessoas que fazem do rádio não apenas o companheiro de escuta, mas de sentimentos e partilhas. A característica histórica da formação da sociedade brasileira, marcada pelos aprendizados nos espaços de sociabilidade das ruas, pelas formas orais de expressão, pelos sons que habitam os ambientes das cidades num barulho incessante, marcando a presença da vida, torna ainda mais oportuno o estudo do rádio como um meio que expressa muito das nossas características culturais.
Reinterpretação permanente
Produzido ao fim da primeira década do século 21, traz em cada capítulo, ainda que não se referindo explicitamente a um passado próximo ou distante, uma radiografia de uma época que não pode ser designada nem como presente, nem como passado, nem como futuro. Ainda que tenha sido produzido nos anos 2010, o livro refere-se a essa longa trajetória cultural do rádio no Brasil e leva à reflexão sobre questões importantes para o entendimento das relações comunicacionais não apenas no presente mais no futuro. Além disso, o panorama dos anos 2010 das rádios metropolitanas brasileiras, suas características administrativas, técnicas, tecnológicas, de programação, entre outros aspectos que foram considerados, induz-nos a pensar na perenidade dos processos comunicacionais e no mundo de misturas quando se fala em comunicação.
E essa é uma última questão que gostaríamos de remarcar: falar em história da comunicação é se referir igualmente a rupturas, mas sobretudo a continuidades. A formatação das emissoras metropolitanas brasileiras das regiões estudadas carrega nas suas características de hoje essa formação na longa duração, marcada por mudanças fundamentais, introdução de novos processos comunicacionais, transformações decorrentes de um novo mapa tecnológico, mas também por continuidades a serem consideradas. E marca do rádio como tecnologia para possibilitar maior eficiência nas trocas comunicacionais talvez seja a sua continuidade mais exuberante. E a se a história comunicacional do homem foi construída pela adoção de próteses comunicacionais que fizeram e ampliaram a possibilidade do ato comunicativo – à prótese fala, por exemplo, seguiu-se outra tecnologia, a escrita, e, assim, sucessivamente, numa extensa história da construção de mediações possíveis para tornar mais eficiente o ato de comunicar – a história da comunicação é a reconstrução, pelo ato interpretativo, dessas múltiplas mediações e de suas materializações em processos complexos. E se a história da comunicação é essa reinterpretação permanente, do passado e daquilo que do passado chegou ao presente, este livro reconstrói, pelo ato interpretativo, uma história do presente-passado na direção de uma perenidade futura. [Marialva Carlos Barbosa, Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia – Alcar]
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Prefácio 2
Este Panorama do rádio brasileiro, levantamento inédito que um grupo de pesquisadores realizou, tem significado e relevância hoje, mas vai ganhar um acréscimo de valor teórico nos próximos anos. Daqui a um período de tempo, um decênio talvez, quando novos estudiosos produzirem estudos semelhantes, haverá, pela primeira vez, a possibilidade de ponderar algumas alterações nas emissoras de algumas das principais cidades do país. É este, portanto, fique bem claro, um mapeamento pioneiro. Iniciou de modo quase singelo. Foi uma proposta simples, uma das tantas a que se lançaram, ao longo das últimas décadas, os integrantes do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, no caso em sua derivação dentro da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar), o Grupo de Trabalho em História da Mídia Sonora, coordenado pelos professores Luciano Klöckner (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/ RS) e Nair Prata (Universidade Federal de Ouro Preto, MG). Do singelo ao complexo, sem se atemorizarem pela tarefa que tinham pela frente, os pesquisadores foram a campo e, agora, apresentam aqui o resultado do seu esforço, do seu trabalho.
Como os antigos navegadores, com seus compassos e sextantes, debruçavam-se sobre mapas, podem, a partir deste livro, os pensadores do rádio brasileiro traçar rotas e estratégias de abordagem. Há conclusões iniciais e particularizadas das cidades por onde os topógrafos desta cartografia debruçaram-se a descrever o terreno e identificar pontos comuns e divergentes em relação a estações de todos os tipos. Fica ao leitor e aos estudiosos futuros o exercício de aproximar as características identificadas em cada cidade. Só por isto, ganham mais relevância os 27 estudos aqui apresentados. Seria tarefa impossível pensar estas linhas gerais do rádio brasileiro sem o panorama esboçado nas páginas seguintes.
De Sul a Norte e de Leste a Oeste, daqueles pontos limítrofes que nos ensinaram na escola, temos, enfim, o panorama que se descortina neste ano de 2010. Você pode dizer que vai perder atualidade com o tempo, talvez até rapidamente, dada a dinâmica de um meio sob impacto da convergência, um meio que se transmuta, desprendendo-se do seu suporte tecnológico e ganhando expressão para além do hertziano. Por tudo isto, é de fato o momento para que se faça este mapeamento. Momento, sem dúvida, de olhar para o que existe hoje e, com este auxílio precioso, identificar mudanças, perceber tendências, antecipar o futuro a partir do presente, compreendendo o passado. [Luiz Artur Ferraretto, coordenador do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação]
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[Nair Prata é professora na Universidade Federal de Ouro Preto]