A edição que está nas bancas da revista semanal de informação mais influente do país é categórica: o governo Lula não quer jornalismo nenhum e está fazendo de tudo para cercear a liberdade de imprensa.
Impositiva, editorializada, recheada de adjetivos e carente de dados, a matéria de capa – ‘A imprensa ideal dos petistas’ – é assinada por Fábio Portela. Em oito páginas fartamente ilustradas, a Veja desfere frontais ataques ao governo numa espécie de revide após declarações críticas do presidente Lula na semana passada. Lula se queixava da imprensa, o que é natural e esperado de qualquer governante. Veja transforma as reclamações em ações concretas do governo para deter os meios de comunicação e os jornalistas. Este é o raciocínio que – convenhamos – não se sustenta pela absoluta falta de dados da realidade e argumentos no plano discursivo.
O exagero
Sim, estamos a poucos dias das das eleições e os ânimos estão inflamados. Mas isso não justifica exagerar.
Se um estrangeiro ou alienígena lesse a reportagem, sua impressão seria a de que vivemos num país ditatorial, que não existe liberdade individual e que o exercício profissional dos jornalistas é impedido pelas instituições. E isso não é verdade. A questão da liberdade de expressão e de imprensa é um nervo exposto, delicado, quando se discute solidez democrática, estabilidade política e vigência de Estado Democrático de Direito.
Historicamente, há uma relação tensa entre governos e mídia, pois alguns interesses de lado a lado não coincidem e, às vezes, se contrapõem. Os governos têm suas funções, a mídia também. Consagrou-se para o jornalismo a tarefa de fiscalizar os poderes, o que significa denunciar abusos, investigar, revelar e apresentar à sociedade sintomas do mau funcionamento das relações entre Estado e cidadãos.
Procedimento essencial
Com isso, é natural que os governantes se queixem da imprensa. Assim como é natural os jornalistas reafirmarem a defesa das liberdades de imprensa e de expressão, e perseguirem sua função de cães de guarda frente os poderes instituídos. Mas a própria reportagem da Veja não sustenta o pânico que tenta instaurar.
Das seis ‘ameaças’ do governo apresentadas num box da página 79, nenhuma se efetivou. Por quê? Por várias razões, entre as quais o fato de que o país é mais complexo do que supõe a revista e que as instituições, se e quando contrariadas, atuam politicamente, fazendo funcionar um sistema de pesos e contrapesos para estabilizar a democracia.
Por isso, a reportagem da Veja derrapa. É mais campanha antigoverno do que peça jornalística. Basta contar as fontes ouvidas. Não se ouve o lado denunciado. O governo ou fontes ligadas a ele são apenas mencionadas; não foram procuradas, ouvidas ou entrevistadas. Ouvir os lados é essencial no jornalismo. Ser parcial e não promover a pluralidade de opiniões e versões é tão ou mais perigoso quanto as ‘ameaças’ do governo…
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Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, pesquisador do Observatório da Ética Jornalística – objETHOS