Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Equatorianos vivem cerco judicial intenso”

O jornalista equatoriano Juan Carlos Calderón, diretor de redação da revista Vanguardia, espera não ter um destino parecido ao do ex-editor de opinião do diário El Universo Emilio Palacio e três diretores do jornal, condenados na Justiça a 3 anos de prisão e a uma multa de US$ 40 milhões. Ele responde a um processo por danos morais de US$ 10 milhões por ter denunciado no livro O Grande Irmão, em parceria com o jornalista Christian Zurita, contratos do irmão do presidente, Fabricio Correa, com empresas do governo. “É uma luta de Davi contra Golias. O El Universo ainda é o jornal mais poderoso do Equador. Nós não somos os jornalistas mais poderosos do Equador”, disse, em entrevista ao Estado de S.Paulo. “Somos jornalistas e escrevemos um livro. Ponto.”

De onde veio a ideia do livro?

Juan Carlos Calderón – Acima de tudo da necessidade de não deixar que o tema fosse esquecido. A partir de nossa primeira denúncia, em junho de 2009, seis meses depois constatamos que nenhum funcionário público tinha sido investigado por isso, nem a Assembleia Nacional tinha fiscalizado isso. O tema de fundo que tínhamos denunciado tinha sido deixado de lado pelas circunstâncias políticas. Ampliamos a informação que tínhamos e a colocamos em contexto. Essa, basicamente, foi nossa motivação.

O senhor vê um paralelo entre o caso de El Universoe o seu?

J.C.C. – Sim. Foi uma decisão política do presidente. O presidente só percebeu que sofreu danos morais depois de 1 ano e 8 meses das primeiras denúncias que fizemos? Imagine! Obviamente, há uma tentativa de castigar quem se atreve a revelar esses atos de corrupção.

E os dois processos foram abertos perto um do outro?

J.C.C. – Sim. O do El Universo foi aberto duas semanas depois do nosso. Há um contexto político. Correa declarou guerra à imprensa. Durante esses processos, Correa estava em campanha para o referendo para controlar os meios de comunicação. No dia 7 de maio, ele venceu por dois pontos porcentuais de diferença. Isso fez parte da campanha, de um cenário de confrontação com a imprensa. O problema é que nós somos dois jornalistas que escrevemos um livro. Não somos donos de empresa. Não conseguimos nem pagar nossa defesa, quanto mais a multa.

A Justiça está vinculada aos interesses do Executivo?

J.C.C. – Neste momento sim. O Executivo controla o órgão que nomeia os juízes. Eles colocam e tiram os juízes, foi o que aconteceu no caso do El Universo. Não há separação entre Executivo e Judiciário. O presidente entra na Justiça e escolhe os juízes que julgarão o processo. Que tipo de Justiça independente pode se esperar?

E em que estágio está o caso?

J.C.C. – Nosso processo é diferente. É um processo civil e o do Universo foi penal. E o deles foi o mais rápido da história do Equador. O que fizemos foi contestar a demanda do presidente. Escrever um livro não é um dano, nem um crime. Ele nos processou porque dissemos que ele sabia dos contratos do irmão. E foi Fabricio Correa que nos disse isso, “em on”. Ou seja, nos acusa por declarações do próprio irmão. E saber disso não é crime, pois o irmão dele não foi condenado por nenhum juiz. E como você avalia esse dano em US$ 10 milhões?

A condenação de Emilio Palacio assustou vocês?

J.C.C. – Bom, uma coisa é o que ele pede, outra o que vai decidir o juiz. Mas o caso do Universo pegou muito mal para Correa – 70% da população de Quito e Guayaquil achou que a pena foi desproporcional e injusta. O presidente é um animal político. É um homem que se preocupa com o que dizem dele. E isso me deixa otimista. Porque é uma luta de Davi contra Golias. O El Universo ainda é o jornal mais poderoso do Equador. Nós não somos os jornalistas mais poderosos do Equador. Somos jornalistas e escrevemos um livro. Ponto.

Correa diz que a imprensa atua como um partido político no Equador. Você concorda?

J.C.C. – Não. A imprensa do Equador, como em vários países do mundo, tem prós e contras. Denuncia atos de corrupção desse governo como denunciou de outros. Sou jornalista há 25 anos, e eu, pelo menos, fiz mais de 50 denúncias contra governo de esquerda e de direita. O que nos interessa é a prestação de contas. Mas Correa tem um conceito diferente de imprensa do que os países democráticos. Ele acha que o papel da imprensa é outro. Não admite que a imprensa independente o fiscalize. Ele não admite que lhe cobrem uma prestação de contas. Na democracia não é assim.

Há menos liberdade de imprensa no Equador do que na Venezuela ou Bolívia?

J.C.C. – Não conheço bem os casos da Bolívia e Venezuela. Mas posso te dizer que a situação aqui é muito grave. Os equatorianos vivem um cerco judicial intenso. Segundo, há pressão sobre as empresas. As empresas privadas não têm acesso à publicidade, nem estatal, nem de terceiros. Há também ataques físicos e morais a jornalistas. O presidente incita a violência verbal. Esses fatores sustentam, sim, essa teoria.

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[Luiz Raatz é jornalista do Estado de S.Paulo]