Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Protagonista privilegiado do jogo eleitoral

Não só arena do confronto eleitoral, a mídia tornou-se protagonista no embate de forças entre governo e o que ela própria representa, auto-investida dos valores democráticos e em defesa da liberdade de expressão. Todavia, no calor das sucessivas batalhas, a razão parece ter sido posta de lado e as redações viraram trincheiras oposicionistas, com adesão escancarada.

Nesta guerra, como em qualquer outra, a primeira vítima é a verdade – não que tudo que se veicula seja mentira, mas a radicalização dos discursos, dos dois lados, distorce informações, enviesa pontos de vista e não contribui em nada para o debate franco de questões mais prementes e necessárias para o modelo de país que se deseja.

Espaço privilegiado para a repercussão de temas importantes para a sociedade, a mídia parece ter preferido trocar de papel, servindo às próprias razões e pendências. Aliás, tem o direito de fazê-lo assim como tem o dever de deixar isso claro aos seus consumidores, sem abandonar a prática do bom jornalismo, com um mínimo de isenção. Entretanto, quando os discursos se tornam acerbos, não só a verdade é vitimada, mas a própria razão se contamina, com o risco de se passar a cometer os mesmos erros que tanto se critica.

Aposta arriscada

Nem a tibieza da oposição, nesses últimos oito anos, justifica essa inversão de papéis – oposição se pratica no Congresso, há as instituições públicas e o referido espaço para a sua repercussão. A democracia (e a sociedade) só tem a ganhar quando a liberdade política se realiza de acordo com a ordem democrática. Demais é salutar a existência do contraditório na oposição, de cujo embate espera-se o surgimento de projetos que beneficiem a todos, não apenas parcelas privilegiadas da sociedade ou interesses particulares.

O que se tem visto, no entanto, é a luta encarniçada em defesa do próprio quinhão de poder, como cães famigerados a disputar o osso, uma batalha a qualquer preço para mantê-lo ou assumir o lugar de quem o ocupa e dele desfruta.

Decerto que uma considerável parcela da sociedade assiste a isso perplexa, sente que houve mudanças, os reflexos estão em toda parte, embora haja muito a se fazer – e dizê-lo dessa forma parece senso comum – mas o senso comum não dispensa o bom senso, que está a fazer falta, principalmente para aqueles que pensam escrever a história ou vivem a reescrevê-la na (des)ordem dos discursos, entre os quais o midiático.

Se no início da cobertura eleitoral, a mídia, principalmente eletrônica, parecia fazer a aposta em si mesma, no seu desempenho jornalístico – desempenho, aliás, que repercutiu na própria imprensa – agora é nítida a guinada de rumo, sem deixar de ser uma aposta, muito mais arriscada, e no seu próprio poder, em nome da democracia, mas também servindo ao seu ideário.

Justiça e isenção

De um lado a justificativa contra o uso da máquina estatal por cabo eleitoral tão poderoso, também a acusação de cerceamento da liberdade de imprensa ou ameaça à democracia, de outro o ressentimento talvez pela partidarização e distorções de fatos – em meio a isso sobram ilações, factoides e generalizações, além do ranço colonialista, patriarcal, impregnado de preconceitos que estrangulam qualquer argumentação. Parece inaceitável que um estadista que não tenha saído dos altos círculos sociais nem frequentado a Sorbonne tenha transformado um país ou seja capaz de uma retórica que fale ao coração de grande parte da população.

Se dependermos tão somente dos meios de comunicação para uma análise desse momento histórico, da figura do presidente Lula, dos benefícios e falhas desse governo e da própria sociedade, não alcançaremos pleno entendimento de nossa realidade. Teremos apenas o esboço enviesado de um cenário de conflitos cujas consequências podemos intuir, esperando, no entanto, por um resquício que seja de bom senso e amadurecimento no respeito às regras do que se denomina processo democrático, embora tenha se tornado muito mais que isso, verdadeiro confronto em torno do poder, uma guerra que extrapola o campo midiático, quando não mais a palavra, instrumento essencial, condiz ao que diz, nem ao homem com justiça e isenção pode servir.

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Servidor público, Jaú, SP