Quando era criança, eu costumava reagir com ceticismo às lendas urbanas que, na época, apavoravam muitos colegas na escola. Como é que eu, que nunca acreditara em papai noel ou coelhinho da Páscoa, me deixaria impressionar por relatos de crimes mórbidos ou histórias de fantasmas?
Essa convicção vacilou, um dia, quando um colega de turma aproveitou o intervalo das aulas para apresentar o que parecia ser uma prova irrefutável do sobrenatural. Já não lembro mais se o assunto eram Ovnis ou o bebê-diabo, que nascera com chifres e falando, mas a página de jornal, arrancada do velho Notícias Populares, sugeria que o caso era real. Perplexo diante do plenário infantil, que esperava minha reação na hora do recreio, retruquei alguma coisa e encerrei o assunto. Mas secretamente pensei, pela primeira vez, se não era tudo verdade.
Com nove ou dez anos de idade, eu nunca tinha ouvido falar de conceitos que só conheceria mais tarde, como a segmentação de mídia e o advento de um tipo de jornalismo popular do qual o NP era simbólico, com suas manchetes sensacionalistas – e impagáveis. Para o bando de crianças da época, jornal era tudo igual. E se o jornal publicara alguma coisa, é porque era verdade.
“Democratização da informação”
É mais ou menos o mesmo sentimento que a internet, hoje, inspira em muita gente – crianças ou não. Legiões de internautas se acostumaram a entrar na rede, fazer uma pesquisa rápida e tomar como verdade a primeira ou segunda informação que encontram, sem se preocupar muito com sua origem. Se circula na internet, é porque é verdade.
É inegável que muitos sites são úteis. E, alguns, muito úteis. A enciclopédia virtual Wikipedia – cujos verbetes são escritos e atualizados pelos próprios usuários – contém desde a definição de um triângulo escaleno (aquele que tem os três lados com medidas diferentes) até o elenco original da novela O Astro, que tem uma nova versão no ar. (Sim, todo mundo sabe que Francisco Cuoco era o protagonista, mas responda: quem interpretava Salomão Hayalla?)
Mesmo a Wikipedia, porém, tem sérias limitações. Verbetes sobre religiões, etnias, nacionalidades e outras questões sensíveis têm de ser considerados com muito cuidado, já que nem sempre contam com o grau de isenção desejável. Apesar dos cuidados tomados pelo site, não dá para saber quanto do verbete sobre o Corinthians, por exemplo, foi escrito por um torcedor da Gaviões da Fiel, ou, ao contrário, por um palmeirense em busca de vingança.
É essa questão – a isenção, ou melhor, a falta dela – que leva a outro ponto: os blogs. Os diários virtuais geralmente aparecem cercados de elogios. O mais comum é dizer que, por dar voz às pessoas comuns, os blogs não só ampliaram o espectro de assuntos abordado pela mídia, como passaram a fornecer um ponto de vista “alternativo” à grande imprensa. A expressão inevitável é “democratização da informação”. Os blogs, de fato, multiplicaram os temas abordados. Todos os dias são criados cerca de 120 mil blogs no mundo – e essa projeção, parte do estudo “State of Blogosphere” 2010 – pode estar desatualizada. Com tanta diversidade, é difícil não encontrar um blog sobre um assunto de interesse, por mais específico que ele seja.
Informação ou marketing?
E não é só uma questão de quantidade. Profissionais respeitados em suas áreas de atuação encontraram um lugar de visibilidade para dar informações úteis que, de outra forma, dificilmente chegariam ao público. Os próprios jornais e revistas têm criado blogs para complementar seu noticiário e permitir visões mais pessoais dos fatos, sem comprometer a objetividade buscada por todo jornalista que preza a profissão.
A verdade inconveniente, porém, é que poucos blogs cumprem esse papel. A maioria dos sites pessoais tem ambições muito menores – a de exprimir os pensamentos de seu autor ao grupo mais próximo de amigos e familiares. E entre os que visam ao público em geral, é pequena a parcela dos que realmente conseguem se firmar como uma referência confiável.
Para que os sites sejam uma força positiva, no entanto, é preciso deixar claras as relações de seus autores com as fontes de informação. Muitas grandes empresas passaram a convidar blogueiros para coletivas e viagens de imprensa. Até aí, nada demais. O problema é que o relacionamento das companhias com os donos dos blogs tem sido acompanhada de perto – perto demais, talvez – pelos departamentos de marketing, que tentam cortejá-los em busca de citações positivas. Se um blog é patrocinado por uma marca, é imprescindível que isso fique claro para o leitor. Da mesma maneira, se o blogueiro recebeu um produto de presente, o mínimo a fazer é revelar esse fato ao publicar, no blog, a resenha sobre esse item. O dilema é claro: os blogueiros precisam definir se seus sites são meios de informação independentes ou ferramentas de marketing para promoção de marcas e pessoas.
É claro que as companhias jornalísticas não são perfeitas. O caso em curso sobre invasão do correio de voz de celulares por um tabloide britânico do conglomerado de mídia News Corp. mostra isso. Mas jornais e revistas sérios têm códigos de conduta que visam a reduzir ao máximo a ocorrência de erros. Se os blogs querem ser canais de informação, eles precisam tomar o mesmo caminho.
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[João Luiz Rosa é editor de tecnologia e comunicações do Valor Econômico]